Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Porta-retratos

* * *

Estou preso dentro das barras quadriculadas de um porta-retratos. Mas sinto-me protegido por pensamentos alheios que devem se lembrar de mim. Neste, onde estou agora, consigo ver o lado de fora dele. Há um sofá escuro e uma mesinha no interior de uma sala. À minha direita, uma televisão. Acima, um punhado de garrafas que não consigo ver o rótulo. A sala é carregada por uma penumbra densa. Bem diferente da paisagem atrás de mim, no fundo da fotografia. Aqui faz um dia de sol com cores bastante vivas. Deve ser domingo de outono. Há cercas e postes ao redor, parece um sítio. Nesta foto, sorrio.

Já neste outro porta-retratos estou sério. Uso roupas alinhadas e gravata. Ao fundo, uma estante abarrotada de livros falsos (são só as capas ilustrando um estúdio). O que daqui vejo do lado de fora é um ambiente mais claro. Na verdade, invadido por muita luz. Também uma sala, mas com sofás brancos aveludados. Estou sobre uma mesa no centro que, além do porta-retratos, sustenta um vaso com um arranjo de flores coloridas. Por todo o chão há estendido um tapete grosso, branco, confortavelmente macio.

E neste terceiro não consigo ver nada. Não posso descrever que forma tem a paisagem na qual estou enquadrado, nem enumerar quais objetos estão a minha frente. Está tudo escuro aqui, de uma escuridão intensa e nebulosa, dessas que permeiam certos tipos de solidão e que costumam ocupar o vazio do esquecimento. Por isso não imagino onde eu esteja agora com este porta-retratos. Escondido (ou guardado) dentro de uma gaveta?

Temo que o escuro aparente seja sinal de que alguém tenha perdido minhas lembranças.

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