Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Desfechos

Estive ontem trabalhando em um conto, que na verdade, como a maioria daquilo que começo a escrever, nem sei se terá um fim. O mote é um duelo frio e a facas entre dois caboclos em uma venda de roça. Um é o caixeiro viajante vendedor de tecidos, o outro é o representante da quarta geração de uma família de imigrantes árabes, que veio ao Brasil ainda no século XIX a procura de ouro. Quanto ao desfecho, percebo que algo ainda falta ser esmiuçado, pra fazer mais sentido e justificar a trama.

Quanto a isso, já li numa entrevista que o desenho de uma história tem que ser feito sob a mesma medida da realidade. Mesmo que se esteja criando uma ficção, a mentira tem que ser vista como uma verdade, e a forma de contar é que dá esse tom de veracidade. Toda mentira é um desenho pitoresco, mas respeita os limites entre o que é comum e o que é absurdo, se quiser convencer. Assim, poderia concluir que escrever é inventar mentiras, mas não. É, por princípio, inventar verdades, assim como a vida real é.

Percebo entre todos os grandes nomes da literatura que há alguma unidade que os une. Sob qualquer gênero ou estilo narrativo, a forma com que eles criam e desenvolvem seus personagens transmite a ideia de que não criaram nada, mas deram vez e timbre a alguma voz que já existia. Não quer dizer que tentam humanizá-los, mas fazem o inverso, tratam seus personagens como seres pertencentes a uma realidade tão contundente como a do mundo cá fora. Lidam com seus personagens como uma pessoa orgânica que possui vida própria e são capazes de andar com as próprias pernas. Gregor Samsa ou Capitu estão por aí respirando e caminhando como dois cidadãos do mundo.

Com isso, suponho que a boa trama, a história que fica, são resultados de uma compilação de fatos que têm mais a ver com a imprevisibilidade do homem real e seus adornos sociais do que com as fórmulas e arestas da imaginação do autor. O conto ou o romance devem ser fragmentos de possibilidades que a própria vida pode oferecer, portando o mesmo sentimento que temos quando pela manhã pensamos no que faremos à noite, e ao mesmo tempo descobrimos o quanto do futuro é incerto, abstrato e duvidoso. A direção que o enredo toma não passa da extensão do ritmo ditado pela natureza do mundo, pela simetria que faz a vida até parecer uma ficção.

Quanto ao meu conto, assim que conseguir compreender o tal ritmo da natureza do mundo quem sabe aí eu seja capaz de dar o seu desfecho. Pode ser daqui a pouco, ou talvez nunca.

Um comentário:

silvia zappia disse...

muy buena reflexión sobre el acto de escribir.

beso*