Espera Feliz não é conhecida como um lugar boêmio e nem carrega consigo nenhum adjetivo que se aproxime de badalação. Mas apesar do sossego sugerido pelo movimentar dos ventos que vem da serra, é uma cidade com vida noturna tradicional. Não há por aqui extensos guias de estabelecimentos gastronômicos, mas temos nossos bares de bom cardápio, botecos com sinuca e porção de torresmo, e no sondar das vielas após o entardecer das horas, achamos os inferninhos. Por isso, durante as noites, sempre se encontra (ou quase) uma mesa com cerveja e um som fazendo a trilha entre as vozes e risos dos que bebem no balcão.
E é pelas ruas paralelas do Centro aonde margeiam a orla do Calçadão que se juntam as pessoas com suas roupas iluminadas por refletores, placas luminosas sobre as marquises e luminárias que clareiam os manequins das lojas. Entre todas essas luzes, existem aquelas que se refratam pelas portas de vidro dos bares. Da calçada para dentro, percebe-se o rigor estampado nas paredes e na forma em que são dispostas as bebidas nas prateleiras de cada um desses bares.
De um lado desta mesma avenida iluminada está o Central do Chop. Seu primeiro ambiente é uma espécie de minigaleria em forma de corredor, com dependurados nas paredes quadros servindo de referências para o jazz e rock: sobre a mesa dois, uma imagem emoldurada de Milles Davis capturando um solo; sobre a mesa quatro, uma gravura envelhecida de Freddie Mercury e sua trupe. Ao longo desse corredor, estende-se o balcão que separa o compartimento das garrafas de Johnny Walker e o círculo de acrílico da Heineken da clientela com cédulas na mão. Inevitável ao estar ali é não prestar atenção na estampa quadriculada das mesas e não imaginar nelas um tabuleiro de xadrez (as peças: garrafas, tulipas, saleiros, cinzeiros, celulares, chaves...). E o segundo ambiente, este fica nos fundos e tem uma TV e uma plaquinha de PROIBIDO FUMAR.
Mudando de bar, na rua do outro lado do Calçadão, tem o estabelecimento que funciona há mais de trinta anos pelas nossas noites, o Bar e Restaurante Brasinha. Inaugurado na primavera de 1976, o Brasinha ainda mantém o posto de lugar público mais nostálgico da cidade. Antes de passar pela reforma de 2006, o bar possuía características mais rústicas, com as paredes revestidas por uma capa de bambu envernizado e o teto forrado por uma esteira artesanal feita com taquara rebatida. Na parte de fora, o acabamento da fechada era de placas de pedra sabão com tons de amarelo. Lembrança de sua estrutura clássica de ontem que contrasta com seu aspecto moderno de hoje. No lugar de suas longas janelas foram abertas portas de blindex. Agora, pelo clima de pub sugerido pela fumaça de sua atmosfera e pelos shows pop que se exibem na TV de plasma, durante a noite, ninguém diria que o mesmo lugar, durante o dia, é um tranqüilo ambiente para se apreciar um almoço ou para se ler jornal esparramando-se em suas cadeiras.
Na mesma calçada e a poucos passos dali, outra luminosidade vinda de dentro de um outro bar ofusca as vistas de quem passa: é o Bar Scorpions. Há rumores de que o Scorpions é o que restou do Degraus, um lendário bar noturno que existia por aqui na década de oitenta e onde se consagrou em Espera Feliz o sentimento de libertação da juventude deste lado das montanhas, por uma geração da era pós hippie mas ainda pré Rock In Rio. Hoje o Scorpions é lugar onde os solteiros se divertem. Seja a qualquer hora e a qual for o tempo, ele sempre vai reportar o som das gargalhadas que vem lá de dentro, da alegria daquela moçada que pisa a cerâmica do seu chão e está sempre disposta a pedir mais uma daquela.
Mais para lá e mais para cá, na direção contrária à orla, há outros bares que também promovem a boemia interiorana. O Bar do Lolico e o gosto do seu pastel de carne, o Boca do Povo (ou apenas Boca) com sua gelada, a Venda do Ataíde com sua mesa de sinuca e carteado. E logo mais, após o cruzamento das engrenagens do Rotary, em frente a faixa da rua João Sebastião de Amorim, tem a portinha do Bar do Jura, para onde vão os taxistas tomar seu faz-me-rir, depois do expediente, claro.
Em tempo, antes que caminhemos para os bares das vias de interseção, vamos pedir para fechar a conta de uma vez e parar a crônica por aqui. Se continuarmos nessa, lá pela alta madrugada já estaremos chegando aos inferninhos da cidade. Depois de passar por lá, não garanto mais se estas palavras farão algum nexo. Portanto, até a próxima noitada.
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E hoje, a saideira é por minha conta...
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