Nesta época do ano a cidade sempre decanta em suaves brisas de euforia tão mais primaveris quanto natalinas. As ruas com mais cores refletidas pela roupa dos pedestres à meia estampa por trás das sacolas que carregam. Vitrines também se tornam mais coloridas, sobressaltando entre os demais os tons verde e vermelho. Daí são bonecos de Papai Noel, sinos, globos de vidro como frutos em árvore seca, mas cheia de vida. À noite as casas emanam luz de suas fachadas, clarões psicodélicos imitando todas as formas, entre muitas, anjos e trenós: pisca-piscas dando mais vibração ao mundo.
Sob ou por trás deles, as janelas refratando as vésperas do dia seguinte:
Na sala de jantar, bem iluminada, há uma mesa grande de madeira paraju. Sobre ela há bandejas e tigelas, copos, refrigerantes, vinho. Há uma estante ao fundo do cômodo e abaixo da prateleira das enciclopédias uma TV está ligada; na tela um filme em DVD. Ao redor da mesa farta há uma família: um pai (careca), uma mãe (jovial) e um casal de filhos pequenos e risonhos. Na verdade uma ceia em família, comum. Não tão comum assim, exceto pelo cara estranho, sujo e maltrapilho, saboreando uma fatia de chester, ao lado dos quatro junto à mesa;
Num outro lugar, em outro canto da cidade, há uma casa pintada de amarelo, com os portões da garagem em tinta alva. Por ali há uma festa. Talvez duas famílias e mais alguns amigos. Há cheiro de carne e de fora se ouvem risos e vozes altas. Estão bem à vontade ao redor das piadas e da cerveja. Atraído pelo aroma de carne assada, veio um cão e ficou espiando da calçada o movimento. Alguém de lá o percebeu e lhe trouxe um pratinho de churrasco, com molho e sal a gosto. O pobre canino não se cabia e saciou;
A essas horas o menino da Rua XV já dormia. Não morava lá mas recebeu esse nome porque não saía da Rua XV. Era pé no chão e corria sem camisa. E no fundo era de coração bom. Na casa dele não havia energia elétrica, por isso não tinha também campainha. Então alguém bateu à porta. Quando o menino, ressabiado, abriu, não viu mais ninguém. Abaixo olhou um embrulho grande com papel multicolor, e sobre ele um cartão quadriculado. Não sabia ler, mas soube mais tarde de um terceiro que a frase escrita nele era “FELIZ NATAL!”.
Na manhã seguinte, o cara estranho, o cão e o menino da Rua XV acordaram com um sentimento diferente, sabendo qual era realmente o significado de um dia que até então não havia vivido de fato.
*
Caminharam, cada um em seu canto e em seu mundo, e presenciaram, mesmo sob o sol, as luzes tão presentes de um dia de natal.
Um comentário:
Farley, só agora tive tempo para visitar teu blog. Sua crônica me fez viajar por todas as partes dessa história. Encantadora como o Natal!
Abração
Mi
Ps.: valeu por ter passado no meu blog.
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