Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ponte das estações (CRÔNICA)

Ele não sabia exatamente quais pássaros cantavam ali, mas ouvia ruídos e música de passarinho com harmônica intensidade. Pequenas e muitas aves urbanas despertavam-se pela copa das árvores ao longo da avenida. A madrugada se ia e em si conduzia esse cara, que seguia só e a sós junto ou sob os pássaros. Por baixo de céu comum em nuvens largas e brisa fresca rente aos olhos ele procurava se lembrar do que fazia durante a passagem do último verão, como se por algum motivo esse gesto fosse importante para aquele momento de passos lentos no escuro da calçada, indo embora.

Buscou ao fundo da memória sua estada no litoral há tempos atrás e via o mar, azul ou verde e também o sol secando a areia clara. Os quiosques todos em sintonia à orla, rodeada pelos prédios. E o que mais nítido lhe vinha eram os momentos passados ao alvorecer da praia, com a noite e o horizonte se encontrando, o vento e seu cheiro, a maresia e as primeiras estrelas vistas das rochas sob crostas magníficas de corais na arrebentação. No todo o mais, o calor e o quotidiano preenchiam o resto dos dias até a chegada mansa de um outono.

Período que julgava ele ser menos adequado para se apaixonar. No entanto, àquela época veio a ele um sentimento do tipo, quase um afeto de verdade. Mas sorriu quando se viu desta forma, alegre. As nuvens de coloração rosada ou vermelho-sangue do crepúsculo despertavam-lhe sensíveis belezas, posto que suas tardes eram ocupadas em passeios a dois, abraçando-se em proteção ao frio que sempre surgia ao cair da noite de sereno.

Início do frio que vinha arrepiando seus poros e ao mesmo compasso térmico submergia o calor absoluto que aprimorava seu sentimento. Agora era inverno e por motivos outros a dona de sua paixão havia partido. Mas sobressaltou-se ludicamente à partida e ele fez de si o que normalmente fazia: conduzia-se, e ponto. Num momento oportuno resolveu visitar as montanhas, não as do seu entorno na cidade, mas as pertencentes à cordilheira do leste, bem distante. Subiu o pico mais alto e aproveitou a ocasião para observar introspectivamente e entender a beleza do mundo a sua volta: o mundo que via, mas principalmente o mundo que não via (o seu próprio). Ao retornar, se encontrou mais perene, tão sublime quanto a presença das flores que antecipavam já a primavera.
*
E ela rompeu entre as horas de uma manhã, trazendo em seu sol o frescor das suas posteriores tardes e dos domingos. Pelas praças se via sua morada através das cores dos ramos e vegetais. Borboletas e canários da grama ao chafariz movimentavam-se em formas parabólicas como um manifesto primaveril. E sobre tudo, o cara se sentia bem ao rever imaginariamente as ruas de sua gente, movimentadas e ao mesmo tempo tranquilas naquele período do ano. As pessoas nos bares, no Calçadão e nas janelas vendo a vida e procurando o que havia além da rotina. De alguma forma, todos encontravam e seguiam.

Como sempre fazia o cara que agora percorria a avenida já não tão escura como antes. Na parte oculta da serra após os limites da cidade, ele viu a barra do próximo dia surgindo de maneira sorrateira. Discreta. E se tocou que a primavera a qual revivia em pensamento se dissipara e que agora era outra vez verão. Uma estação que naquela manhã estava sendo recortada por um pequeno espaço em ligação por uma ponte onde tudo faz parte de um recomeço.

Lembrou-se então que vinha de um reveillon pré-esquecido, e descobriu que aquele dia despontando sinalizava novas expectativas para atravessar novamente a ponte das próximas inéditas estações:

“– Que outras tardes, maresias e paixões transitem entre as flores que ainda virão neste ano recém-percebido.”
*
Assim ele desejou, caminhando sob os passarinhos despertando no primeiro alvorecer do ano-novo.

Um comentário:

Gilberto Soares Alves Júnior disse...

Parabéns pelo blog, ficou muito bom!!!
do se ux aluno gilberto.