Depois das últimas buzinas e das últimas casas, permanecia em foco somente a luz branca dos refletores do posto de gasolina, encolhendo à medida que se distanciava em reflexo no retrovisor. À frente, a pista se desmembrava em duas trajetórias, recortada pela faixa amarela do centro. Largávamos Espera Feliz rumo a sudoeste, com as primeiras curvas impugnando a aceleração. Mas seguíamos, sem hora ou lugar.
Pelas placas verticais na mira dos faróis, a estrada esboçava uma longa constelação, com brilhos pausados mas infinitos. E por trás de uma colina ou outra, parecia ter se desprendido por ali uma de suas estrelas, rolando cadente pelo asfalto. Mas aí logo se via um carro zunindo na via oposta. Quando transpassava um deste, os ruídos dos motores se cumprimentavam ligeiramente ao se cruzarem, em faróis baixos.
Na rota escurecida por tantas marcas de borracha e gotas respingadas a óleo, cada metro percorrido trazia um pouco mais do mundo ainda sempre por vir. Desbravando por entre os pastos, rente as cercas e desviando-se dos morros no limiar do tapetão de pinche e brita. Acima de nós o céu com a lua. Abaixo e além a Serra do Papagaio... que nos sugava a alguns quilômetros por hora garganta abaixo, com sua inclinação demarcada pelas sinalizações olho de gato em três longas linhas horizontais e paralelas no chão dos seus zig-zag’s negros. Escorregávamos sobre quatro rodas pelos seus meandros e íamos encouraçados numa máquina de aço rompendo as dimensões de sua longa descida, como se estivéssemos conquistando uma montanha pelo lado contrário. Em companhia dos olhos por todo esse percurso, enormes lançantes de solo e rocha salpicados por minúsculas luzes (das casas dos camponeses) iam se revelando longe, formando uma cordilheira implacável a nossa direita, com seu verde em tons de cinza debaixo da noite. Mas também iluminada pela mesma lua de outros tempos.
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E pouco depois de concluirmos a serra como uma aterrissagem sem vôo, já em outro território e jurisdição, adentramos sutilmente por outras ruas que foram aparecendo e que não eram as nossas. Sob postes com outras lâmpadas. Respirando um ar menos frio, com seus ventos mais amenos. Era a cidade batizada pelo Rio Carangola. A cidade do rio grande. Cidade Carangola. Que de dentro dos vidros observávamos suas esquinas e ladeiras, seus jardins e suas sensações. Estávamos então na parte baixa das montanhas do leste, com suas histórias não muito diferentes das nossas. Mas igualmente únicas.
Antes que alguém percebesse nossa presença de forasteiros, começamos a contornar o caminho da volta o qual nos pertencia. Abandonamos a cidade sem deixar vestígios. E como no início da nossa jornada, suas luzes iam desaparecendo gradualmente pelo asfalto sem movimento, escuro e deserto, com seu breu interrompido por breves fagulhas da brasa de um toco de cigarro em seu atrito no vácuo que deixávamos. Atrás de nós.
Com os cabelos despenteados pela brisa noturna invadindo a fresta, conduzíamos de volta para o nosso lado da encosta. Da mesma forma que viemos, sem muita pressa, sem hora ou lugar. Seguindo o pó reluzente das estrelas que nos separavam das montanhas e de seu sopé.
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Mas subir a serra agora era preciso então. E assim retornar.
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Crédito da Imagem: Eder Herdy
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