Era tarde e ele sabia. Mas dão dava ideia para o tempo e adentrava desordenadamente pela madrugada. Na porta do bar em que acabava de sair, parado. O seu redor não tinha gente menos feia ou bonita que ele. E ninguém nele reparava, como também não reparava em nada.
Sua mão era por extensão o seu copo: gelado, gelada. A cerveja regurgitava-lhe à golfadas. Bebia, portanto, desde cedo. Não acertava nem mais o nome, aposto.
A rua à frente e o céu acima eram as únicas escalas que o mantinham localizado, sabedor de onde estava, na vertical. Pessoas nas calçadas e na porta do bar passavam-lhe como vulto, fantasmas sob a luz dos postes. Não percebia rostos nem movimentos. O que diziam então soava como um conflito de protuberantes vozes, risos e outros ruídos. Pois não, quem sou? – devia se perguntar.
Não balançava. Estaca humana, postava os olhos de cor do demônio numa só direção. Mão direita e copo a altura do peito. Na outra, cigarro talvez já terminado. Quem a volta não imaginava a órbita que seus sentidos guiavam. Nem mesmo ele. Nem mesmo um paralelepípedo seria tão inanimado posto ao lado. Havia de dentro para fora de si a desconexão descontínua: só piscadas denunciavam sinais vitais (mais a rua à frente e o céu acima o orientando).
Num movimento sem contexto, começou a caminhar. Na direção de como quem vai para a praça. O copo já não tinha mais. O cigarro ainda sim. Aos pés da escadaria da matriz, parou. Como se sua estrutura óssea se desconstruísse em fragmentos, viu as botas, pernas, joelhos, cintura, membros e tórax se desintegrarem. Após um instante fulminante conseguia ainda manter o senso de localização. Mas suas escalas encontravam-se invertidas: o céu agora estava à frente; a rua atrás de sua nuca; horizontalmente. Poucos passavam ao lado, e os poucos quase tropeçavam nos seus pés.
Mais tarde, quando acordar, talvez lembrará do nome, de como chegou até ali e aonde foi a última que bebeu na noite.
*
Mas no fundo, desejará nunca ter se lembrado.
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