Blog de Farley Rocha

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Contato imediato com Radiohead (CRÔNICA)

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Deixei as montanhas que me integram e parti rumo ao sul, serpenteando a noite que guiava meu sono (meu e de outros passageiros a bordo do expresso interestadual) e adormecia corpos que acordariam numa manhã forrada por uma miscelânea de maresia e ansiedade, deslumbre e frágil beleza. Uma mistura de tudo num Rio de Janeiro.

E o dia que viria não custaria a passar acaso fosse um vinte qualquer. Mas aquele era vagaroso porque era drasticamente distinto. Era talvez o dia de todos os Santos no Rio. Ou no Brasil. Ou talvez até na América do Sul inteira. Porque seria a primeira vez por esses lados do globo que ecoariam em definitivo no ar multirrarefeito do país as notas matemáticas e poéticas da banda Radiohead.

Ainda não tinha se ido aquele sol e umas milhares de caras curiosas e ansiosas aglomeravam uma fila distante em algum ponto perdido da cidade maravilhosa. Cada pessoa com suas opiniões e cortes de cabelo. Mas todas à espera do grande momento, não tardando o encontro marcado com o quinteto inglês. E éramos nós quem estávamos lá, prontos para descobrir os segredos que envolvem os arranjos arquetipados de suas criações-estéticas-musicais. Veríamos se era mesmo verdade cinco camaradas desembrulharem mundos ao vivo de dentro de suas músicas sintetizadas sobre um palco (o que constataríamos mais tarde que sim, era tudo verdade).

Junto ao cerrar do crepúsculo metropolitano, abriram-se os portões de entrada e ao mostrar as credenciais para o show literalmente apoteótico, fomos todos como se fôssemos história que se faz em câmera lenta, correndo numa massa humana onde camisetas coloridas e tênis All Star’s davam o tom da noite abafada e ligeiramente surreal que vinha. Mas também ilustre e ineditamente emocionante.

Ao apagar de todas as luzes e silenciar de todos os sons, o público se comoveu e igualmente se calou. Sabíamos que era a hora prometida. Silêncio quebrado somente no momento em que, no palco, as luzes azuis dos bastões suspensos fluosforeceram nossos olhos e entorpeceram de uma só vez nossas gargantas alucinadas em um uníssono grito ao primeiro sinal de “15 Steps”.

Enxurradas de aplausos e assovios se misturavam no meio da multidão que recebia de ouvidos abertos Ed O’Brien, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Phil Selway e Thom Yorke com o braço erguido em “saudações, brasileiros!” (ou seria “saudações, terráqueos”?). A ocasião de ver a banda tão de perto parecia fazer sumir todo o sambódromo carioca a nossa volta, e por um instante parecíamos estar lá, mas cada um distante em sua introspecção particular, mesmo que coletiva, “vendo” as músicas serem feitas ali na hora, tão iguais e perfeitamente idênticas às já amadas e, até então, somente conhecidas apenas pelos iPods e mp3 de nós tupiniquins. Já não éramos então um público, mas uma corrente lenta e hipnotizada de abstração e contemplação.

Estávamos ali e ao mesmo tempo tão distante quanto Radiohead nos faz viajar. E junto com o show fomos e voltamos por lugares tão magníficos quanto metafísicos, arejados por sombras sonoras advindas da execução musical com ambientações eletro-progressivas que aqueles cinco caras eram capazes de fazer. Não era somente som. Era também cor, que dela metarmofoseavam-se os cinco rostos em imagens nos painéis digitais ao fundo e ao redor do palco. Formas e desformas engenhadas pela luz. Muita luz. E difusão de sensações múltiplas como resultado disso tudo.

Não conseguiria imaginar “There There” frente a frente com tanta nitidez e verdade. Nem “Karma Police” ou “Air Baig”. “No Surprise” incrivelmente se revelou para minha percepção inebriada uma grande surpresa, assim como “Paranoid Android” sombriamente contrastou com a leveza sugerida em “Reckoner” logo em seguida.

E pouco a pouco fui descobrindo pelas pistas deixadas no ar como em “idioteque” e “Anthem Nation” que aquela banda em questão possui algo bem mais além da mistura do eletrônico, convencional e genialidade. Há a linguagem múltipla que talvez traduza o desconhecido som que provavelmente propaga nas longitudes do universo e que só Radiohead é capaz de captar e reproduzir, editando um novo perfil do rock contemporâneo.

Pois o show é uma avalanche louca de coisas tão inomináveis que se sente como se fôssemos alvo de um bombardeio de estrelas numa inesquecível e enigmaticamente única noite clara de verão.
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Retornei para o leste que me pertence com todos os seus montes e colinas, agora, para mim, tão mais abstratos do que antes. Tão mais sincronicamente sonoros depois da experiência denominada Radiohead.

2 comentários:

Antonio Luiz disse...

É muito bom poder receber notícias suas, textos seus. Que essa re-volta seja oportuna e que traga pelas ondas de outras RADIO, aquilo de mais sagaz da sua HEAD. Trocadilho podre, eu sei. Mesmo assim, desejo prosperidade!
Abraços....

Farley Rocha disse...

Nobre Anthony,
confesso que é grande prazer estar de volta a este blog do leste e ainda mais com um texto de reestreia sobre uma banda que curto muito.
Mas prazer mesmo é saber que o blog tem leitores que vivem o meio literário de forma veemente, assim como você.
Grande abraço.