Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Efeito fotográfico

(André Leal)
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Há duas semanas, o salão nobre do Hotel Montanhês, na parte velha da cidade, foi galeria para a exposição “Construções Humanas”, do fotógrafo André Leal.

As dezenas de pôsteres retangulares afixados nas paredes pareciam janelas falsas dando vista a uma espécie imprevisível de cotidiano. Por elas, estampas retratando modelos em focos e luminosidades distintas, com intervenções minuciosas à base de maquiagens, poses e semblantes que o próprio fotógrafo direcionou para cada peça.

Ao observador que se posicionava a dois metros de distância, as imagens canalizavam a impressão de que nelas os traços, matizes, ângulos e texturas projetavam nuances físicas pelas quais o conceito “humano” se caracteriza – as personagens, embora aparamentadas com aquarela e figurino, eram pessoas comuns interpretando suas próprias características e facetas.

O que fazia da exposição a extensão do cotidiano real (e bem mais previsível) que sempre existiu do lado de cá daquelas janelas falsas. Pois o homem ou a mulher que se vê diariamente nas calçadas, bares e igrejas não são tão diferentes dos arquetipados pela coletânea. No mundo, somos bilhões de fotografias instantâneas fazendo pose para quem possa nos olhar. E por isso, elaboramos a expressão no rosto de acordo com as conveniências que queiramos aparentar na foto – ou com as linhas de a(re)provação que formarem o desenho da face alheia.

(Nisso, contemporâneos pensadores de botequim diriam: as expressões do ser humano são biologicamente tão ilimitadas que, se fotografadas a cada segundo, não caberiam nos kilomegagigaterabytes dos cartões de memória.)

A considerar pela obra do artista, somos todos cartazes vivos interagindo entre nós, cada qual uma superfície plana aonde sentimentos e sonhos vão imprimindo no corpo e no olhar a verdadeira imagem que temos (ou a que desejamos ter). Assim, desde o sorriso mais irônico ou tímido até as silhuetas mais perversas ou doces é que nos reafirmamos à condição humana. E são marcas de que, como o título da exposição sugere, possuímos a exclusiva habilidade para nos construirmos e reconstruirmos infinitamente, visto que a nossa cara e postura podem se transformar da raiva à alegria e da tristeza a um sorriso bonito se assim quisermos.

Linkado nesta vida real, André propôs ao expectador o estranhamento por encarar a si próprio e ser levado a repetir-se a mesma pergunta “afinal, do que somos feito?” E a resposta parecia cristalizar-se bem na nossa frente: da mesma substância de que é feita a fotografia, que depois o tempo envelhece e um dia, irreversivelmente, apaga.
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3 comentários:

José Fernandes disse...

Um trabalho profissional e de fino gosto a exposição do nosso amigo André. Valeu a crônica, Farley. Abração!

Rosa Mattos disse...

Muito boa tua análise sobre a exposição do artista.

"somos todos cartazes vivos interagindo entre nós"

Humberto Dib disse...

Um trabalho incrível, Farley, tanto o do André quanto a sua crônica...
Um abraço.
HD