Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Cinza primavera


* * *
Faz frio na tarde que era para ser de primavera. Pelas ruas aonde o vento suspende folhas do chão, as pessoas caminham quietas, cabisbaixas, como se neste dia o silêncio fosse regra.

A cidade parece esconder-se nas sombras que o sol fraco tenta projetar do céu nublado. Mas no fundo, nada na cidade está diferente. As pessoas é que tentam ocultar-se umas das outras e, como num jogo de pique-esconde, acabam escondendo de si mesmas (talvez faz parte de um ritual).

Assim, pelas esquinas, sob as marquises da Roque Ferreira, rente à alameda das palmeiras na Fioravante Padula, sobre a ponte da Major Pereira, nos barzinhos da José Grillo e por onde mais possam estar as pessoas nesta tarde fria que seria primavera há sinais de que o tempo se arrasta quase melancólico tanto nos pulsos de quem passa quanto no relógio da Igreja Matriz. Efeitos de um feriado que reparte a semana em dois.

Mas por instantes, a mesma cidade que enrubesce no silêncio da tarde parece evocar com seus burburinhos tímidos os personagens cuja história se preserva apenas nas lembranças. E são tantos os indivíduos evocados que durante estes mesmos instantes a cidade torna-se ligeiramente mais viva. Pessoas que têm o nome lembrado parecem estar entre todos repetindo suas prosas, seus risos e suas manias. Preenchem as ruas e a sala das casinhas e dos apartamentos nos bairros e no centro. Nisso, mais uma vez cristalizam-se na memória dos seus entes queridos que ficaram (os que neste momento lembram), cumprindo o ciclo da necessária saudade que a tarde fria aponta aos corações calados.

Porque é Dia de Finados, e ele existe não para nos lembrar que os ausentes estão mortos. Mas que um dia estiveram vivos – e continuam presentes tanto quanto a primavera que o céu nublado esconde nesta tarde fria.

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