Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Cosmos pela manhã


Vejo você inabalável ao meu lado, sob o delicado suspiro do sono que te conforta, quando o estampido da explosão me acorda. Levanto.

Salto da cama até as cortinas do quarto e percebo que a única barreira nos protegendo da provável hecatombe lá fora é a fina lâmina transparente das vidraças da janela. Já é de manhã.

Sem te acordar, calço meus tênis de rotina e saio abrupto porta a fora, para averiguar de perto o que de fato ocorreu. Só na esquina reparo que esqueci a camisa.

Incluo-me na multidão frenética dos curiosos que já se forma pelas ruas e, assim como todos, ainda sinto as pálpebras pesarem àquela hora da manhã. Em marcha quase fúnebre, seguimos na direção de onde imaginamos ter vindo o estrondo.

Acima de nós, dezenas de helicópteros sobrevoam paralelos à possível rota do evento, enquanto milhares de pássaros atônitos rumam em sentido oposto. É quando penso se fiz bem em deixá-la sozinha no quarto, no profundo sono em que repousa.

A alguns quarteirões, poucos acreditam no que veem. Não há mais praça, nem asfalto, nem os prédios do centro da cidade. Senhorinhas desamparadas desmaiam aos montes e vira-latas, acuados, debruçam as patas sobre as orelhas. Extasiados, os policiais, bombeiros e cinegrafistas são incapazes de qualquer ação, e todos nós de qualquer palavra. É quando sinto por não ter trazido você comigo, para presenciar o fenômeno raro acontecendo bem diante de nossa breve existência.

O que vemos é uma colossal bolha em expansão, abrigando uma vasta escuridão impenetrável e zilhões de pontos cintilantes dentro dela. Ali, assistimos a formação de constelações inteiras de nome desconhecido enquanto nebulosas primitivas vagam soltas entre os vãos das galáxias que evoluem. E por toda parte, há poeira cósmica decantando-se sobre os detritos de um big bang em plena aurora.

Pelo lado de fora, a superfície da bolha reflete nossas caras de espanto e deslumbramento, confirmando o quão insignificantes somos diante da lógica pela qual se manifesta o universo.

É quando ouço sua voz delicada roçando-me o ouvido, dizendo que perdi a hora e que o café já está na mesa. Levanto.

Abro as cortinas e olho os pássaros pousando cotidianos no quintal da janela – e mesmo assim, ainda vejo impresso na superfície da vidraça o espelho da minha cara de igual espanto e deslumbramento.

4 comentários:

Fellippe disse...

Fantástica não-realidade!

Humberto Dib disse...

Um texto surrealista lotado de imagens muito interessantes, rapaz, gostei mesmo!
Às vezes sinto que minhas manhãs são assim...
Um abraço desde Argentina.

Penélope disse...

Tão leve, delicada e sonhadora fantasia... ou seria realidade?
Abraços

OceanoAzul.Sonhos disse...

Que texto magnifico, de louvar quem consegue deixar sua imaginação escrever permitindo deliciar quem o lê.

Um abraço
oa.s