Afinal, como são as montanhas do leste?

“No fundo do Brasil tem um lugarejo, desses que ficam em um vale ao sopé de uma cordilheira e onde o ar tem cheiro de mata e faz frio à noite”, dizia o email enviado pelo amigo da capital a respeito deste blog com sotaque do interior. E acrescentava: “Afinal, como são as montanhas do leste?”. Em resposta, fiz um convite para que viesse conhecê-las de perto. O amigo veio, e viu com quantos morros se faz uma serra:

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Nos tempos antigos antecessores ao que conhecemos – teorizam geólogos –, quando a Terra borbulhava por todos os lados em lavas e flamas de explosão, mal poderia imaginar o homem de bilhênios seguintes que no fundo do Brasil um cenário extraordinário surgiria de tal catastrófica evolução: a Serra do Caparaó.

O Parque Nacional do Caparaó, divisa de Minas e Espírito Santo, abriga três dos dez maiores picos em território brasileiro, sendo o Pico da Bandeira o terceiro mais alto entre os dez primeiros (2.892m.).

Do ponto mais íngreme a que se pode chegar do maciço, avista-se abaixo num círculo horizontal 600 quilômetros de raio do planeta, todo pontilhado pelo bico das montanhas pequenas, feito centenas de arquipélagos esverdeados flutuando num alvo oceano de nuvens e serração. Lá em cima não chega a nevar como nos Andes, mas o frio é glaciar como em qualquer outro lugar de extremidades.

A partir dali, espigões de rocha desdobram-se em cordilheiras perpendiculares a desfiladeiros e vales, acidentes geográficos aonde ao longo moram (moramos) montanheses da região dos píncaros. Cidades, vilas, lampiões e chaminés acendem estrelas pelas noites de suas encostas.

No passado, enquanto praças cosmopolitas da Califórnia pintavam as cores da contracultura, na mesma década por aqui pouco mais de uma dúzia de barbados proclamava a guerrilha rural contra o golpe e os militares. Revolucionários de uma “Sierra Maestra” que não deram certo, embora morreriam pelos seus ideais.

Agora, portais de acesso que levam às entranhas do Parque são cruzados todos os anos por turistas que vêm de longe, paramentados com botas crivadas em borracha, mochila cargueira, comida enlatada e cachecóis e gorros. Caminham trilhas escarpadas rumo ao topo dos montes como se, por algum instinto invisível, estivessem buscando a verdade dos céus – algo semelhante aos propósitos da Torre de Babel, das Pirâmides do Egito e da engenharia mística de Machu Picchu. Os que sobem as montanhas do Caparaó devem partilhar do mesmo fascínio de quem deseja tocar no infinito, ou ver os olhos de Deus ou contemplar a vertiginosa ideia de que o limite entre o nada e o chão é a estrutura do próprio corpo.

Ao amanhecer, os que aguardam o dia raiar pela perspectiva do pico, monges aventureiros portando iPod’s e câmeras digitais, testemunham a parte do mundo que já é dia empurrar com monstruosa beleza a sombra do mundo na parte que ainda é noite – dramático duelo entre sol e lua disputando à força cada centímetro de céu.

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“A manhã que se tem sobre estas montanhas”, disse o amigo, magnetizado, “é o espetáculo natural mais comovente que já vi na vida. Mas, por que ‘leste’?”. Porque esta manhã – imaginei – fica a leste no mapa do país. Mas apenas dois quilômetros a norte da rua da minha casa.

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o lado do mundo que é noite

e o lado que já é dia

pico do calçado e pico do cristal - ao fundo

montanhas do leste

e montanhas além

o matuto do leste, com bolhas nos pés