Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 10 de março de 2011

Carnaval submerso

Esse ano o carnaval das montanhas começa no mesmo clima que as montanhas têm: sob turva neblina e chuva.

O Bloco do Pijama chega ao Centro da cidade trazendo o mesmo colorido dos trajes de seus foliões (estampas de bolinha e gravuras infantis) nos guarda-chuvas e sombrinhas que ostenta sobre si. Assim, o bloco parece uma comitiva desvairada que tenta misturar frevo e Singin'in the Rain ao ritmo de pancadão de funk no trio elétrico que o conduz.

Afora, todos neste carnaval parecem se esconder atrás das fantasias não só para camuflarem a face, mas para esconderem-se da chuva que encharca suas máscaras e borra, com certa melancolia, a maquiagem da festa que é tão esperada pelo povo.

Mas o povo, assim como as gotas intempestivas, também não dá trégua ao mal tempo e envolve com seu samba embriagado de candura cada centímetro das ruas da província, que agora são suas por direito. Aglomeram-se nos bares, nas tendas, nas calçadas e deixam o pau quebrar.

Contudo, não percebem que a poucas quadras de onde “o pau quebra”, as águas descendo do céu há horas, há dias e a fio multiplicam-se muitas vezes à capacidade que o rio pode suportar. E o São João, agora na extensão de um Nilo cruzando a serra, transborda pelas margens milhões de metros cúbicos do caudaloso veio da tormenta, não dando mais conta de escoar. E em questão de instantes, toda aquela água chega à Avenida Fioravante Padula, onde os foliões, os clovis, os micarateiros e os bozos estão.

Mas estão todos tão mergulhados no êxtase de marchinhas iluminadas por confetes que quando o dilúvio chega pelas esquinas, mergulham nele como se as ondas fizessem parte da alegoria desse carnaval que já nasceu encharcado.

Enquanto a água sobe formando corredores marítimos entre as ruas que cruzam o Centro, o abre alas da Unidos da Major Pereira invade a avenida para que toda a escola irrompa para a apoteose submersa que a espera. As mulatas não perdem o brilho do rebolado mesmo complicando os saltos nas algas que se arrastam sobre o asfalto. Os percussionistas quase se descompassam quando cardumes desorientados de lambaris e bagres nadam por entre os tambores, os bumbos e os pandeiros. A jovem porta-bandeira assusta-se com a lontra que passa de raspão na sua saia; mas o mestre-sala, experiente a qualquer adversidade, conduz o passo e não deixa a peteca cair, mesmo com seu samba e sapateado submergidos por esse mundo de águas.

Ao final, depois dos desfiles, depois das marchinhas, depois que todo o álcool e lança-perfume evaporam, a água, que fez do carnaval e da avenida um aquário de palhaços coloridos e pierrots flutuantes, resolve esvair-se e se vai rio abaixo, levando consigo parte do momento de alegria tão esperado pelo povo. Na última madrugada de festa, fica pelo canto das ruas a poeira de uma folia úmida, em forma de lama nas poças deixadas pela chuva, aonde bóiam serpentinas.

Na quarta-feira de cinzas o sol enfim mostra a sua cara desmascarada. O que agora, para muitos, já não deve ter tanta importância. Pois o carnaval, assim como a chuva, também passou...

2 comentários:

Tiago Rattes de Andrade disse...

Bela crônica, Farley... acompanho sempre o o blog, ainda que de forma "silenciosa".

Grande abraço

Ailton Augusto disse...

Farley, bom dia.

Foi uma grata surpresa ler sua crônica, que consegue brincar com a chuva que caiu nos dias de carnaval sem reduzir-se aos resmungos e reclamações que escutei de muita gente.

Um abraço!