Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 3 de março de 2011

Respostas pelas janelas



Assim como as portas da percepção, na minha província há também as janelas. Olhos da realidade habitual pelos quais se lança no horizonte o questionário sem fim que a gente arrasta desde que aprendeu a pensar. Por elas, com o nosso olhar limitado mas curioso, capaz de compreender as coisas desse mundo só depois de categorizá-las, ousamos transcender a existência (na verdade, a todo instante do dia) para, incertamente, encontrarmos algumas respostas sobre tudo. A princípio, na mira do nosso olhar existem as duas primeiras gigantescas categorias para nós, pequenininhos, darmos sentido: o céu e a terra.
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O homem sempre busca na imensidão vertical dos céus algo tangível, que tenha a raiz presa pela coerência. Para descobrir alguma lógica no universo, a direção em que projetamos a imaginação, por natureza infinita, acaba sendo interrompida pela mínima noção física de que temos acerca da eternidade do tempo. Descomunal medida. Mesmo assim, cada momento em que ficamos a sós com nosso próprio silêncio é como se lançássemos uma sonda para além da atmosfera terrestre, a fim de explorar a solidão do espaço que só conhecemos de longe. Talvez por isso, ou por instinto, sempre olhamos para o alto quando buscamos repostas. Provavelmente uma forma de refazermos o caminho percorrido desde as origens, considerando que somos todos e tudo filhos do céu, de onde supostamente viemos. Assim, nossas perguntas ecoam ocas até as fronteiras do vazio distante onde devem existir sistemas os quais nunca chegaremos a descobrir. Contudo, como uma linha de energia atômica, nossas questões passadas (e as futuras) viajam para cima à velocidade da luz, na esperança de que um dia, como num ciclo de muitos ciclos, elas retornem até nós, trazendo mensagens em sinais estranhos que serão prontamente decodificadas por uma legião de astrônomos, astrólogos, matemáticos, místicos e poetas. Desta maneira, resta-nos creditar à ciência terrena respostas sobre o céu que nem ela própria acredita se algum dia comprovará.

Mas no fim, embasbacados, continuamos o interminável exercício de procurar Deus, como se Ele estivesse por trás das sombras das nuvens escondendo todas as respostas para si. Ou olhando por todos nós.
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Pelas janelas, o olhar obtuso do homem contempla o longo da Terra com o mesmo brilho de deslumbramento que observa o espaço. Percebe que um dia já acreditou num planeta plano como uma lâmina, e que nas suas bordas retangulares, no fim dos oceanos, havia o abismo fantasmagórico descrito pelas epopéias. Depois considerou a hipótese, seguida pela constatação, de que o mundo não passava de uma bola, um corpo esférico flutuando no meio do nada, como a maçã de Colombo. A esta altura, já haviam descoberto que ele não era o único. Entre tantos, não fosse o fato de acidentalmente (divinamente?) ser um planeta habitado, compartilharia do mesmo anonimato cósmico que os outros. Contudo, também houve um tempo em que não se imaginava nada a respeito da Terra. E é a esse período que a maioria das perguntas são remetidas, a um tempo em que a consciência ainda não existia. Mas elas quase sempre ricocheteiam neste passado não vivido e retornam ao presente inócuas de respostas; ou, quando muito, insatisfatórias. Ainda assim o homem persiste e se lança no mar de mistérios que o cerca, mesmo ciente de que veleja a sua ínfima razão que, em escala de proporções em relação ao desconhecido, apresenta-se do tamanho de uma caravela. Desta maneira, resta-nos creditar à crença dos céus respostas sobre a terra que nem ela própria acredita se algum dia farão sentido.

Mas no fim, embasbacados, continuamos o interminável exercício de buscar a ciência, como se ela estivesse no subsolo do mundo garimpando todas as respostas para nós. Ou olhando para si própria.
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Nos confins de mundo em que vivo, sobre o mesmo chão sem respostas e sob o mesmo céu misterioso de onde posso ver nitidamente as estrelas, os olhares curiosos da minha gente também atravessam as janelas (ainda que não sejam propriamente as da percepção), e num gesto humilde e despretensioso de respostas apenas contemplam a vida, como quando espiam a procissão que vai pela rua.

Assim, sem precisar categorizar nada, acreditam compreender algo muito maior do que os mistérios sobre o céu e a terra: compreendem o espírito humano.

2 comentários:

daisy aguinaga d'eibar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
daisy aguinaga d'eibar disse...

Gostei muito do texto, leva-nos a pensar em nosso próprio mistério: para o quê existimos?