Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Fábrica de aviões

Alguém contava que em tempos atrás havia por aqui um menino, comum, desses que um dia crescem e se tornam gente grande. Ele tinha a mania de se deitar no chão do quintal de casa, entre xaxins de samambaias e pés de alface, para ficar olhando o céu quando passava um avião.


Não piscava, não dizia nada. Ouvia o ruído distante das turbinas e acompanhava com os olhos o voo lúdico que cruzava a órbita da galáxia azul que dali enxergava. Talvez o menino buscasse respostas para perguntas que ele mesmo ainda não sabia formular: como entender a estranha força que faz o pássaro metálico levitar? Como se fazia para pilotar aquela máquina voadora? O que ele encontraria se pudesse seguir o rastro de nuvem deixado pelo vácuo quando alguns deles passavam? A fábrica de aviões? Uma pista verde infinita aonde pousavam?


Uma vez, quando observava um que voava a muitos mil pés de sua compreensão, o menino acabou adormecendo, ali no quintal. E sonhou.


Sonhou que de algum modo ele podia subir até o céu e quando um jato ultrapassou zunindo ao seu lado, decidiu seguir o rastro deixado por suas turbinas gigantes. Caminhou sobre o corredor de nuvens por muito e muito tempo, e quando chegou até o fim pode responder a pelo menos uma de suas perguntas, embora não tivesse encontrado nenhum campo verdejante que pudesse servir de pouso para as máquinas ou qualquer outra coisa parecida com a imaginada fábrica de aviões. Mas encontrou o lugar inesperado: o lugar aonde nasciam os sonhos.


Quando acordou e abriu os olhos, percebeu que já não era mais um menino. Ao homem que havia se tornado ainda era permitido voar, desde que mantivesse firmes e bem acordados os pés no chão.

*

Era então um piloto, e agora pilotava não para realizar a possibilidade de poder voar, mas para resgatar do tempo aquela simples capacidade de sonhar.

Um comentário:

N. Rodrigues disse...

"agora pilotava não para realizar a possibilidade de poder voar, mas para resgatar do tempo aquela simples capacidade de sonhar.".
Que belo final para uma bela crônica.