Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Fora de sentido


Hoje ele se olha no espelho. E percebe o homem que há muito já não via. Olha, vê, enxerga. Assim pode sentir do homem que encara o próprio reflexo que vai muito além desse espelho que olha.

Tem rugas. Pelos que escorrem grandes pelas narinas e ouvidos. Ao alto, a testa que um dia foi estreita, alarga-se. Fiapos dos poucos cabelos que lhe restam.

Frente ao espelho retrocede ao reflexo que o seu tempo já deixou pra trás. Muito antes do agora, em outras lembranças que talvez nem tenha vivido, procura o homem que foi. Vê. Mas não acredita. O homem da sua condição de presente é curvo. Demasiado frágil. Pálido. Esmiuçado pelos anos passados.

Enquanto vê seus lábios secos e fendosos no espelho, recorda-se dos sabores que já degustaram. Frutas, doces, bocas. Vê seu nariz de pele flácida. Recorda-se dos cheiros que já sentiu. Culinárias, perfumes, vaginas. Vê suas orelhas, alongadas por algum motivo. Recorda-se dos ruídos que já ouviu. Canções, gracejos, relógios de parede. Vê suas mãos trêmulas. Recorda-se das texturas que já tocou. Veludos, almofadas, taças.

E por final, vê seus olhos, estáticos, fechados. Recorda-se que já não lhe servem mais para nada. Também não lhe servem mais a boca, o nariz, os ouvidos, as mãos...
*
Seus sentidos já não sentem absolutamente nada, abaixo de sete palmos.

Um comentário:

Luiz Fernando "Mirabel" disse...

Fala voz de trás das montanhas!

O homem é árvore que de tanto ser raiz acaba em fruto!!

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Abraços