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É fim de semana e não é qualquer. É sábado beirando as quatro da tarde e o sol vinga alto numa temperatura regulada a pré-primavera. Muitos na cidade caminham descompromissados pelas calçadas; outros, mais cedo, se motorizaram e deram rumo para além do asfalto, lá pelas cachoeiras do São Domingos. E uma outra parcela da população ainda se mantém ressacando a noite quente da sexta-feira que já passou.
No momento faço parte dos que preferem aproveitar essa mesma tarde para ver essa mesma cidade de uma forma que quase ninguém por aqui conhece. E com mais dois anônimos formamos um pequeno grupo de exploradores sensoriais, permeando outros ambientes incomuns dessa pequena metrópole disfarçada de província. Caminhando por seus arredores, espiando de fora sua história passar.
No final da rua Sá Barbosa, pegamos a estradinha margeada por carreiras de pinheiros, com a sombra dos galhos nos guiando em direção do sítio das flores, no sopé da Serra do Bicudo. Próximo a uma chácara, quebramos à esquerda na encruzilhada e acima atravessamos a estrada da extinta linha férrea. Por aqui nos sentimos soltos bichos como os bichos deste mato bucólico cheio de vestígios de grilos.
Apesar de estar a cinco minutos das limitações da cidade, este cenário parece pertencer a um outro lugar. Tanto que por instantes nos sentimos arremessados para uma outra percepção, e quando voltamos a nós, processamos todas as formas de paisagem que compõem o redor: estamos no centro de um modesto vale entre as colinas e a serra; há lavouras, pastagens e curral; casas com caminhozinho entre o verde do verde das plantas e o marrom-ocre do chão de terra batida; naturalmente também há um riacho correndo entre as bananeiras. À frente, um grande pasto inclinado. Subimos.
Daqui não podemos mais enxergar nenhum rastro do perímetro urbano que deixamos há pouco para trás.
Caminhamos por trilhas riscadas no capim entre sinais deixados pelos bois que agora se recolhem lá por baixo, e seguimos ao extremo do morro. Na virada de lá, há uma casa de chaminé acesa com terreirão de pedra na chegada, bem no meio do cafezal que ondeia, no raso do grotão. Daqui também dá pra vê a montanha do Mirante da Serra, ao fundo de outros montes, dourado pelo sol que banha. Ângulo de vista tão diferente que de uma fotografia feita desta cena, ninguém diria ser lugar da região. No entanto, é.
Depois da pausa para a abstração de práxi e retomada de fôlego, continuamos a caminhar em frente, agora descendo à diagonal do pasto, pelo outro lado, por trás dos arbustos rente à cerca. Por esta rota nos estendemos até o Morro da Torre (a torre da companhia telefônica).
Debaixo da estrutura rígida de metal em que se veem dependurados nela cabos e antenas parabólicas, temos agora a cidade a poucos metros abaixo de nossos pés. Voltamos à presença da zona urbana e vemos o centro e todo o seu movimento que se intensifica à medida que o sol vai se pondo. Além do ronco dos carros, ouvimos todos os outros barulhos que a cidade emite àquela hora. Entre vozes, buzinas, latidos e outros diferentes ruídos, percebemos perdida no vento uma música que alguma banda de rock toca em algum daqueles apartamentos. Logo concluímos que nós somos os únicos neste dia a ter a cidade sob essa percepção, sob essa ótica de vista e sob esse ângulo de visão tão peculiar, o que nos torna meros espectadores de quase tudo que está acontecendo na cidade das montanhas do leste neste momento.
Por onde passamos e onde agora nos situamos, temos a sensação de estarmos aqui nesta cidade mas pelo lado de fora dela. Ouvimos o seu som, sentimos o seu cheiro, vemos seus terraços e suas cores, observamos as suas ruas e os passantes, assistimos ao dia como qualquer outro deve estar assistindo. No entanto, o ambiente desse instante só nos permite imaginar o que de fato acontece lá por baixo: que conhecido estará tomando uma no Central do Chopp ou sobre o que conversam os senhores na praça. Enfim...
Antes que o dia termine, voltaremos para esta cidade e pisaremos novamente pelas vias de sua rotina, olhando pra ela mais uma vez pelo lado de dentro. Pertencendo a ela. Sendo parte dela.
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E ela, parte de nós.
Crédito da imagem: Eder Herdy
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