Há um homem parado na rua. Não tão homem assim. É meio andrógino e bastante incomum. Mas ali está, imóvel, quase não respirando.
O rosto fino é coberto por uma fina camada de qualquer pasta branca, por isso sua aparência assexuada. Os olhos levam círculos escuros nas órbitas oculares castanho-claros. Seus cílios estampando rímel são expressivos e quando as pálpebras piscam (raramente), parecem querer dialogar com quem os olha.
O corpo magro em gestos intactos se veste com calça de linho e com suéter pretos. Por baixo, a camisa clara listrada cobrindo os braços, ostentando nas extremidades as mãos sob as luvas brancas. Na cabeça, uma cartola. Nos pés, sapatos engraxados.
Quem vê pensa no Chaplin. Não é ele. Também não é Mr. Mandrake. Sua caracterização lembra alguma coisa de antigamente sim, mas é contemporâneo de qualquer tendência (Michael Jackson com Carlitos?).
Impressiona os transeuntes. Todos passam e se encantam ou se assustam: “quem será?”; “que legal!”; “credo...”. De certa forma, muitos pensam que aquela imagem transgride o convencional de seus hábitos.
– É arte!
Afirma um pedestre.
– É mesmo (?).
(...)
Mas o fato é que ele se faz ilustre e sua presença não incomoda, mesmo que cause constrangimento a alguns que o vê (por criar um paradigma no quotidiano das pessoas despercebidas). Ele mesmo, o ator, de à vontade parece não se sentir ali, em suas posições tão comunicativas. Embora sem movimentos, mantém uma conexão direta com o que representa, ou atua, naquela hora. E ali fica como manequim, na calçada, entre a vitrine e a rua. Concentrado, seu olhar mira algo perdido no infinito de qualquer outro olhar em sua direção, mas parece que no fundo nada vê.
Disseram que está por aí já faz tempo. Mais cedo encenava sua peça solitária na parte velha da cidade, embaixo do gigante pé de figos frente ao Hotel Montanhês. Depois foi visto na alameda da Matriz, e agora na esquina da João S. de Amorim com “Zé” Grillo, no Calçadão. Sob o sol e o ruído dos automóveis que cortam a avenida ele permanece atuando. Como provocações à normalidade do local. O que pretende, afinal?
“Atuar de fato é a arte que nos faz representar a realidade. Não sobre ela, mas dentro dela”, era a inscrição da caixinha no chão próxima aos seus pés, sem nenhuma moeda no fundo.
Vejo que por mais que nos esforcemos, até o final da tarde não descobriremos a verdade entre aquele clown e nós. Somos nós quem o observamos por trás de sua ficção ou será ele quem nos observa por trás de nossa vida, supostamente, real?
*
Quase ao cair da noite, recolheu sua caixa e se foi. Só.
Nenhum comentário:
Postar um comentário