Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Novamente pé na estrada (CRÔNICA)

Semana passada acabei encontrando por acaso um título entre meus livros. Em posição vertical na prateleira, com letras verdes robustas ocultando o nome miúdo do autor em azul-marinho, era quase invisível a distinção de JACK KEROUAC em relação ao resto das cores da capa. ON THE ROAD o título, que recolhi mais uma vez em minhas mãos.

Com isso lembrei da minha pequena saga para adquirir esse livro. Numa curta temporada em Juiz de Fora, logo assim que terminei a faculdade, saí a procura da obra pela cidade como uma traça em busca de papel com novidades. Vasculhei várias livrarias e nenhuma tinha. Antes que pensasse em desistir ou apelar para uma compra virtual, encontrei o tal volume num sebo em uma galeria pouco arejada na Avenida Barão do Rio Branco, próximo ao Parque Halfeld. Paguei por ele R$ 12,00, que apesar de antigo estava em uma razoável conservação, e voltei para casa com sorriso de sincera satisfação e embriagado de uma vontade de “por os pés” naquelas linhas e seguir viagem com os beatniks pelas linhas ferroviárias de uma América do pós-guerra em meio aos arranjos do jazz dos negros e a batida rebelde do bopp transcendental. Li detalhadamente as 326 páginas em três vagarosos dias de um mês de março. Li sem pressa porque buscava encontrar entre as palavras a mesma onda na qual aqueles personagens estavam afundados, numa década de quarenta tão desiludida como muitos acreditam ser esta primeira década do nosso século.

É uma tiragem de 2ª edição da Brasiliense, datada de 1984. No verso da primeira página, uma gravura estampando os Estados Unidos da América em traços cartográficos. No mapa em preto-e-branco, várias linhas retas e algumas tracejadas entrecruzam-se demarcando a(s) rota(s) do beatnik Kerouac: Nova York, Chicago, Salt Like City, São Francisco, Los Angeles, Detroit, Denver e tal, juntamente com outras estações de paradas undergrounds. Uma viagem inimaginável a todo vapor começando onde se lê em negrito “PARTE UM”, ao virar a folha seguinte impressos “ON THE ROAD: PÉ NA ESTRADA”. Dali em diante, as páginas já amareladas conduzem por ruas infinitas e bairros estranhos, becos maltrapilhos e estradas surreais, dentro de noites tão “subterrâneas” quanto submersas repletas de “vagabundos iluminados” cheirando a Whisky barato e batendo o pó das calças, personificadas em figuras como Old Bull Lee, Carlo Marx e Dean Moriarty. Pessoas ficcionais (ou não) tão enigmáticas e cheias de significados como era o próprio autor desta brilhante obra, germem e holofote daquilo que se compreende hoje como cultura pop. E por todas as encruzilhadas deste livro, apenas pé na estrada, poeira, experiências e histórias. Muitas histórias.

Por isso, um dia desses vou reler. E talvez daqui há três ou quatro anos, não sei, o faça novamente. Porque, como reza a filosofia da geração beat, “viajar é viver, ficar é apodrecer”.
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E viva a Kerouac!
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Um comentário:

Enrique Carlos Natalino disse...

Caro Farley,

Gostei das crônicas. Uma tradução muito fiel e bem acabada da nossa geração "fin de siècle", se me permite usar esse galicismo para me referir aos anos 80 e 90 do século XX. Continue por essa trilha...