Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Horizonte pessoal (CRÔNICA)

O homem neste dia resolveu seguir só.

Não se preocupou em fazer a barba ou pentear os cabelos. Não vestiu a gravata e nem se quer o paletó, pois seguiria à sombra das marquises até aonde a última rua o levasse. Também não achou necessário passar a camiseta amarrotada ou costurar o puído da calça jeans. Não escolheu o melhor sapato porque queria ir de tênis mesmo, e não vestiu as meias porque há muito já não se lembrava de como era andar sem elas. Não quis se envolver com intrigas da vizinha nem com mesquinharias de um dia normal. Por isso não quis respeitar as horas e nem relógio carregou nos pulsos, que se iam soltos pelo compasso do caminhar.

O homem que seguia só não leu jornal ou revistas, pois qualquer notícia não o importava, e também não fazia questão de opinar em nada. Não queria ver TV ou DVD porque queria assistir aquele dia bem de perto, ali ao vivo. Por isso saiu cedo de casa e não tinha hora certa para voltar. Queria passear e passar por lugares incomuns pelos quais não tinha hábito. Queria sorrir junto ao riso das crianças descalças e olhar sem medo em direção dos homens de terno e expressões burocráticas.
Não se importou em dizer “bom dia” a ninguém porque naquele dia não estava para diplomacia. Não fez cara de simpático a quem não conhecia e não quis cumprimentar os chatos que ia encontrando. Também não levou telefone porque quem ligasse não seria mesmo atendido. E não fazia questão de ligar para ninguém porque naquele dia não queria compromissos. Também saiu sem dinheiro e sem fome e só comeria quando o estômago estivesse realmente cansado de roncar.

O homem andava só e optou por não seguir regras ou convenções porque naquele momento só queria estar ele, sem imposições. Não queria ser dois ou nenhum. Queria ser apenas um, o que ele era de fato e que nunca deixaria de ser. Neste caso, não se sujeitaria a nenhuma companhia porque a única distração que almejava era ver o por-do-sol no final daquele dia.

Queria viver intensamente todas as coisas a quantos instantes fossem necessários. Queria viver o tudo e o impossível, mesmo que não fosse de verdade. Mas queria, e assim, acreditava, seria mesmo real. Por isso não quis se apegar a detalhes corriqueiros ou à metas profissionais, nem dar atenção às balelas ditas pelas esquinas do quotidiano tão indiferentes para promover qualquer mudança no mundo.

O homem andou só até aonde chegou e parou, depois de cruzar todos os extremos da cidade. Tateou um muro qualquer de concreto e retirou do bolso uma caneta hidrocor verde, único objeto que levava consigo. Após refletir um pouco, abriu os olhos e redigiu sobre a cal encardida:
*
Para ver a liberdade da vida
não precisa ler palavras borradas
em muros como este.
Basta observar o horizonte que existe
além de nossas próprias paredes.
Por lá
certamente a vida também estará.

*
Em seguida guardou a caneta no mesmo bolso e ainda só se dirigia novamente para casa. Não tão absorto como antes e não tão imparcial como acordou, porque sabia que no outro dia teria o retorno dos pensamentos pré-agendados onde não haveria espaço para planos de improvisação.
*
Contudo havia descoberto um novo ângulo de mirar a vida: agora percebia a poesia que existe nas entrelinhas de cada rotina.

Um comentário:

viviane disse...

Olá Farley

Tô sempre visitando seu blog e vi que já publicou seu livro de poesias como faço para adquirir um?

LEGAL como vc abordou o lado subjetivo desse texto que traz uma temática mais pessoal.

Abraços