Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Além dos vidros, as vidas (CRÔNICA)


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Ainda me lembro da época em que eu era bem pequeno, quando viajava para algum lugar com minha mãe e meu irmão, da sensação que eu sempre tinha ao olhar pelo disputado “lado da janela” do ônibus. Ir sentado ali tendo como distração as paisagens reveladas pelo vidro por onde passava o veículo era, para uma criança, o mesmo que ter ao lado uma tela de TV onde locais em que eu nunca havia tocado com os meus pés iam passando a cada metro de distância percorrida, compondo em tempo real um trailer fascinante e incomum ao meu quotidiano.

Nisso, o que era visto com mais entusiasmo eram as modificações de ambientes que a cada curva demonstravam-se de forma surpreendente. E tudo muito rápido. Os temas daquele vídeo instantâneo variavam na mesma intensidade do movimento do coletivo, e, quando subia um morro, as cenas eram visitadas em câmera lenta, ao passo que na descida aumentava-se a rotação e nem tudo que se via tinha-se tempo o bastante para se apreciar. Se ia o gado, a cerca, a pedra. Também a árvore, o riacho e o homem de chapéu de palha pela estrada longe.

Hoje em dia, assim como qualquer outro passageiro acordado, ainda mantenho esse mesmo hábito de assistir o que se passa pela janela quando viajo. Principalmente quando na rota há uma cidade cheia de semáforos ou uma vila no meio de algum lugar. Agora observo os personagens que atuam nestes cenários tão distintos: os transeuntes de uma rua tranqüila; os pedestres sob o sol ou noite frente às vitrines e estacionamentos. Tento imaginar qual papel cada um exerce dentro do seu diariamente. Quantos atos tem cada uma dessas vidas que passam (ou pelas quais eu passo quando as cruzo de dentro do ônibus).

Do lado de lá do vidro são tantos os olhares que se perdem quando vagam rumo ao ônibus no qual transito, que muitos chegam a prender a atenção até dos viajantes mais desatentos: o olhar da moça bonita que olha com os lábios tímidos, o moço que disfarça um olhar curioso a um desconhecido, o moleque que faz línguas e caretas ou dá tchau (mas que depois sempre sorri). Tudo isso somado traz a sensação de satisfação por poder presenciar estas cenas tão de perto e ao mesmo tempo a angústia de saber que nos limitaremos neste contato impessoal a alguns poucos instantes apenas. E nada mais além disso.

Penso em como seria conversar com essas pessoas, ser amigo delas, conviver no mesmo espaço que elas. Penso em como seria a recepção delas acaso eu decidisse desembarcar por ali e em como olhariam (se olhariam) para minha cara se eu perguntasse as horas a alguém que percorre uma daquelas calçadas. Mas o que estes momentos me permitem até então é apenas olhá-las enquanto passo e imaginar como poderiam ser. No final das contas, acabo concluindo que estes pensamentos me servem somente para preencher minha cabeça durante as horas tediosas que algumas viagens tem em sua poltrona.
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De cada viagem dessas me fica a certeza de que os olhares que vejo através do vidro da janela não são assim tão diferentes dos meus, pois certamente todos que me veem passando por seus locais devem imaginar as mesmas coisas sobre mim.

2 comentários:

Unknown disse...

Oi Farley e Klébio, tudo bem?

Em setembro será lançado o livro de contos "A sombra que me seguia", de autoria da jornalista Adriane Salomão. Fizemos um blog para divulgar este livro.
Se tiver interesse em saber mais sobre estes 47 contos marcados por suspense em uma narrativa bem humorada e criativa, acesse: http://asombraquemeseguia.blogspot.com/.

Obrigada!
A sombra que me seguia | Equipe

Amanda Messias disse...

Olá!

Obrigada pe coment´rio no meu blog!
Recebi seu livreto pelo Paulinho e achei lindo. Diagrmção e tudo mais...

Olha, ganhou uma leitora agora. E segredo, tmbém sepre imagino como seria fazer amizde com as pessas que vejo pelos caminhos da vida. Hoje você entro pra esse grupo

=)

Abraços,

Amanda Messias