Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O dia que não era verdade (CRÔNICA)

Era momento qualquer, mas o domingo parecia estar lá, misturado às sensações de um dia volúvel e involuntário. A manhã anunciava o dia que começava, com os raios de sol límpidos e inquebrantáveis. Tudo era tão sólido quanto os olhos que enxergam a claridade de um fim de semana, mas ainda assim um dia sem nome.

Da varanda eu mirava um céu azul anil desenhado pelas dez horas da manhã. Passarinhos estavam pelas árvores de frutas, e outros espalhados pelo quintal apanhando formigas que trabalhavam cotidianamente pelo solo entre as folhas, galhos secos e areia. Na rua, as criancinhas sem melancolia no olhar se reinventavam e davam suas gargalhadas, comum num domingo de sol e de alegria. O olfato era preenchido pelo aroma de almoço da vizinhança: ora frango frito, ora tempero de feijão. Mas almoço de domingo em família, tudo igual. Tudo muito característico.

Estranhamente me perdia por aquela manhã de cogitações imaginárias para mais um dia de descanso ou curtição. Admirar uma manhã de domingo não é para todos. Há momentos em que a boemia da noite anterior fala mais alto e o corpo embriagado pede pela urgência de mais algumas horas de sono, obviamente na manhã dominical. Mas, mais uma vez, estranhamente eu estava ali. Quase já não lembrava mais dessas manhãs. Ainda mais aquela em que o azul do céu descrevia uma pureza tão sublime que imitava até um poema. Um poema sem palavras e sem origem. Era apenas a poesia natural da vida e das coisas belas se manifestando frente aos meus olhos. Poema de adoração que, de forma repentina e enigmática, logo foi tomando ares de morbidez. A poesia do dia ia se tornando gótica, a cada instante em que as pequenas nuvens iam se movendo, se aglomerando frente ao sol e escurecendo de um cinza monótono o anil do céu.

Mesmo com o vento gelado de agora, mesmo com os raios de sol ainda a pouco vivos, até me arriscaria pôr os pés na rua, saltando da minha varanda e aterrissando pela cidade que ia crescendo em expectativas juntamente com a sensação de loucura daquele dia. Tentativa frustrada. As esparsas nuvens formavam agora uma neblina fria que descia sobre Espera Feliz em ressaca. Procurei aguardar mais um pouco e a chuva que não era chuva insistia. Fui ficando e decidi sair só após o almoço, que já estava, àquela hora, à mesa.

O azul já não era mais anil quando as nuvens deram licença mais uma vez ao sol. Sua cor agora era intensa e límpida. Mas nas bordas do céu um raiado avermelhado denunciavam o inverno que permanecia ali. Por isso pus o casaco e os óculos escuros. Antes de chegar ao portão, as nuvens entorpeceram o sol, de novo, e com elas a neblina ensaiava novamente a chuva que não acontecia. O clima parecia estar desregulado, fora de sentidos. Fazia estações variadas a todo instante: ora parecia ser maio, ora agosto, setembro, dezembro... E fiquei preso nas mãos do tempo confuso de qualquer mês.

Assim se passavam as horas, lendo um livro, tomando refrigerante e ouvindo um som. Que música era a melhor trilha praquele dia maluco? A que estivesse mais próxima dos tímpanos. No caso, qualquer uma. Não importava.

Sol. Neblina. Frio. Ressaca. Sol. Neblina. Frio. Ressaca... um ciclo que durava até o final das dezoito horas, quando a noite ensaiava seus primeiros passos para as horas seguintes. Sair de casa naquele domingo (agora invernal com o céu estrelado) não era mais possível.

E não era possível mesmo. O tédio me conduziu para a frente da TV e ali descobri algo fabuloso, que mudaria o meu dia e minha forma de enxergá-lo completamente dali em diante. A novela das seis começava.
Aí vi que não era domingo. Era sábado.

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