Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Um poema à mesa ao romper do dia

Um café quente na xícara e meia hora disponível antes de sair para o trabalho, numa manhã de terça-feira chuvosa e tediosa como são todos os dias sem “sal” e sem paladar. Bocejei pela segunda vez e percebi que a cafeína ainda era pouca para dispersar meu sono e me despertar para o dia que já saíra do quintal, atravessara a varanda e invadia a casa pela porta da cozinha, a minha chamada. O jornal escorregava-me pelas mãos cheirando a loção pós-barba enquanto os olhos meio inchados vasculhavam as páginas preto-e-brancas à busca de uma notícia boa, que tivesse um título chamativo, bonito e principalmente altruísta. Que fosse curta para ser lida em tempo hábil e comunicativa o bastante para dar sinais de uma quebra de rotina, ou pelo menos para soar ao meu cérebro como um desvio da mira daquela terça-feira nebulosa que já me vigiava com olhares de patrão.

Sentado junto à mesa, sozinho e com os pés ainda sem os sapatos, fazia cara de sério ao deparar a atenção em uma matéria do tipo “Bolsa de valores fecha em queda em Nova York”, ou alguma outra menos motivadora para se começar um dia em bom estado: “A dengue está prestes a se tornar uma epidemia no país”.

Não que o trabalho fosse ruim ou que a vida estava um marasmo que escorria pelo ralo, mas naquela manhã eu gostaria de estar me sentindo de férias, sem compromissos, hora marcada ou tarefas agendadas. Afinal, era uma terça desbotada após uma segunda daltônica. O dia me pedia folga e eu procurava não pensar em nada, por isso lia, para que minhas primeiras reflexões pudessem ser sobre algo verdadeiramente positivo. O que para a ocasião seria um privilégio. Assim, talvez, os planos para as próximas horas que me aguardavam poderiam ser mais saborosos, menos amargo que o meu café e mais intensos que meus neurônios àquela hora do dia.

Enquanto isso, no jornal, “Mulher morta com cinco tiros na cabeça estava grávida de gêmeos há oito meses”. Fingi não ter visto esta matéria. Pulei para a página de esportes como se acreditasse na ilusão de encontrar algo interessante, mesmo para alguém que não se interessa muito por esportes. Li o primeiro título que vi: “Flamengo perde por 3 x 0 e se desclassifica para a Libertadores”. E minha cara de preocupação...

Bocejei pela terceira vez antes mesmo de dobrar o jornal e colocá-lo sobre a mesa – “Ação fortuita esta última” – pensei. Logo à frente vi um livro do Bandeira entre a fruteira e o pote de margarina. Estiquei o braço e já imaginava folheá-lo logo em algum poema, assim de primeira, que fosse leve, sutil, suave como massagem e com conteúdo ligeiramente irreverente, desses que só Manuel Bandeira soube fazer, para desentupir o cano de descarga daquele dia fazendo jorrar o tédio a quilômetros da minha percepção. E, para a minha surpresa ou falta dela, o teor de informações da leitura anterior parecia se estender por ali também. Qual texto era o da página que abri? “Poema tirado de uma notícia de jornal”.

Calcei os sapatos e fui trabalhar.
***
Pra ver qual é do "Poema tirado de uma notícia de jornal", do Bandeira, dê uma clicada no link logo aí abaixo:

Um comentário:

Unknown disse...

haha, isso é uma crônica ou um diário? A vida nessa "marasmada" Espera Feliz é assim: o quotidiano nos fere à 'espera' de algo novo pra fazer, conhecer ou conversar com os amigos e de 'feliz' só o futuro dirá.

Ed Herdy