Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O vocabulário da saudade

Não é simples a definição de saudade, como não é simples a definição de nada que seja relacionado ao coração do homem. Mas saudade, muito mais do que ser descrita por experiência própria, muito mais do que explicá-la procedendo a sua desconstrução léxica ao se basear em prefixos e sufixos gregos ou latinos, tem sua definição (ainda que imprecisa) a algo próximo de resgate.

Ter saudades se parece muito como forma de resgatar alguma lembrança, remota ou recente, e todo o sentimento que, enquanto a cena lembrada durava, vivia-se e dela desfrutava-se. A saudade de alguém se assemelha a uma tentativa de mantê-lo mais próximo do presente, resgatando do passado o que na realidade só pode existir na memória. Mas a semântica de resgatar talvez esteja associada a do termo compartilhar.

Quem sente saudade comunga de um mesmo espírito em comum, porque saudade não se adquire sozinho. Ela é resultado da troca de olhares, amores e amizades. E quem diz senti-la sem nunca ter vivido a partilha, na verdade sente só a solidão perpétua da nostalgia de uma vida não vivida (o que também não deixa de ser uma saudade). Compartilhar, neste caso, confunde-se com participar.

A participação dos seres em seu meio de convívio permite a cada um a chance de poder intervir nas relações humanas, em qualquer que seja o tipo. E da intervenção surge a marca que deixamos em alguém, e consequentemente surge a oportunidade dos outros também nos marcarem. Dessas marcas, sendo positivas, a única coisa que perdura então é a saudade.

Perdurar também pertence ao vocabulário das lembranças. Sentir a falta do outro e relembrar é forjar a sólida ilusão de que a ausência nada mais é do que distância. Pensar no abraço de um pai que já partiu, no sorriso sincero de um filho que não mais se vê; pensar nos conflitos internos de antes e saber que eles não eram maiores do que os de hoje; pensar que a poesia da juventude era bem mais rebelde do que os versos bem comportados da maturidade, e daí concluir que a felicidade não é algo que se alcança, mas apenas desgasta; pensar nas paisagens que por instantes ínfimos nos aproximaram da plenitude da vida; pensar nas cores, nos sons, nos gestos, nos sabores, nos sentimentos, nas vivências todas de outros tempos, é o meio que temos para perdurar ao máximo a plenitude de tudo que não vivemos intensamente. Ou suficientemente.

Por isso, resgatar, compartilhar, participar, perdurar são partículas que juntas, em qualquer ordem, dão forma e tom ao sentimento o qual não possui definição precisa: a saudade.

Mesmo assim, talvez ela seja o sinal mais latente pelo qual nos é permitido lembrar de que apesar de tudo somos inalteravelmente humanos.

2 comentários:

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Obrigado, Farley, por compartilhar esse belo texto com os seus seguidores.
Excelente como sempre.
Parabéns e aquele abraço.

Guilherme disse...

Obrigado pela informação da casa na Serra do Caparaó.
Era tudo que eu precisava para escrever um conto que se passe lá.
(Talvez fosse melhor viajar até lá, quem há de saber, não é?)
Ei, como conseguiu meu e-mail?
Controldeei seu blog.
Abraço.