Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Zé Ramalho, Paralamas e um não-lugar

Sempre em meados de julho, quando o sudeste está sob alto inverno e o orvalho gelado desce em tons de neblina fina e intensa ao redor da noite, nós deste lado das montanhas temos nossas madrugadas sibilosas irrompidas por cinco dias de barulho, multidões e shows. A serrana Espera Feliz torna-se palco para músicos de todo lugar durante a anual Festa de Exposição Regional.

No final da semana passada, enquanto o habitual silêncio das ruazinhas da cidade dava vez aos passantes que vinham aos montes de outros povoados, eu e mais alguns montanheses nos preparávamos para o show de sexta à noite. A voz quase mítica do paraibano Zé Ramalho ecoaria como trovejadas aos quatro cantos do leste em noite de céu claro e lua cheia, recitando poemas bucólico-psicodélicos em forma de suas melodias emblemáticas. Em casa, ao redor da mesa e debruçados sobre redomas de vidro conhecidas como copo, aguardávamos a partida para o local do evento. Imaginávamos o momento em que ele, o José, entoaria Avôhai e Vila do Sossego ao melhor estilo clássico, os acordes de cotovelo em Chão de Giz e a interpretação de Garoto de Aluguel, o baião à Beira-mar matando a sede dos nossos matagais com as Eternas Ondas e a lua prateada no céu seria visitada por quem estivesse presente, pegando carona no Taxi Lunar. Fechando a noite, apesar de embriagados daríamos conta de que estaríamos, simples e naturalmente, na crosta de um asteróide pequeno que todos chamam de Terra, quando Kriptônia fosse lançada ao relento. Imaginávamos que o espetáculo do nordestino seria exatamente assim. E talvez tenha sido mesmo, não sei.

Por um erro mínimo de cálculo (ou por condições off para efetuá-lo), chegamos exatamente no instante em que o homem se despedia. E a pintura sonora que desenhamos minutos antes não chegou a ser vista ou ouvida por nós. Não desta vez.

Mas a festa continuava e um sábado era posteriormente atravessado por mais uma noite de Exposição, embora esta não trouxesse nenhuma atração mais interessante que não o do movimento em si, as pessoas e as bebidas aos goles.

A sugestão de tédio provocada nesta noite não se repetiu na de domingo. Pouco depois das vinte horas o trio que começou a se apresentar impunha não só na música que tocava como também nos gestos de suas faces ao vivo que o show seria suficiente para que todos se divertissem, como são as regras do rock que os Paralamas do Sucesso propõem. Herbert, por trás dos óculos e sob toda a sua careca caricaturesca do pop nacional, não media esforços para comandar o show, com voz, vez e virtude de saber fazer bem o que melhor sabe fazer. E por quase duas horas, Espera Feliz era o terreno do conjunto.

Não fosse por um momento quase efêmero ocorrido durante a festa, a Exposição Regional poderia ter passado por despercebida. Neste mesmo domingo, quando a noite caía e o frio aumentava, ao lado da Boutique da Pinga um outro conjunto começou a tocar. Desses de garagem e que fazem o som que gostam de fazer. A Sinopse Rock, ao pé da moçada, tocava vigorosamente seu repertório a ponto de ninguém a volta não deixar de notar. Tocaram uns trinta minutos só, numa espécie de pocket show para quem estivesse por perto. E enquanto tocavam, o formato da apresentação e as circunstâncias, com guitarra, baixo, bateria e pedestal no meio do público, davam a impressão de que aquele tipo de banda poderia ser vista tanto nos pubs de Juiz de Fora ou nas esquinas do Rio de Janeiro em manhãs de sábados casuais. A Sinopse talvez seja mesmo a resenha, a sinopse de fato do que os ares undergrounds das montanhas do leste conduzem para outras planícies.

Acostumado a ouvir o galo cantar e a sentir cheiro de mato depois que chove, durante estes trinta minutos da Exposição me senti como em outro lugar, ou em um não-lugar que talvez possa existir por esses lados de cá da serra.
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