Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Copa do Mundo de 2014 e o Brasil dos brasileiros

Na casa lotérica, sou o oitavo ou o nono da fila. São as primeiras horas de uma tarde fria de sol e enquanto aguardo chegar a minha vez, ouço por conseqüência da proximidade o que os três rapazes da frente conversam. Falam sobre um artigo de internet que leram nesta manhã e dão suas opiniões a cerca do assunto. Não demora muito, percebo que o artigo a que se referem é sobre o que foi o pronunciamento do secretário geral da FIFA em relação a nossa copa de 2014. “Nossa” conforme a expressão que um deles usa, quando se refere à Copa do Mundo que cediaremos daqui há quatro anos (a emoção com a qual fala relata o motivo do pronome possessivo).


O outro rapaz explana de forma menos ácida, como se o que o interessasse mais fossem apenas os assuntos de futebol que surgem depois que a bola começa a rolar em campo. O terceiro, o mais tímido, com suas esparsas palavras talvez seja o mais coerente dos três. Enquanto a fila aumenta, eles discutem.


“Nossa copa” – diz o afoito – “tem que ser mais valorizada. Há sessenta anos que meu pai vem esperando pra rever ela de novo no Brasil. Aliás, rever não, porque na de 50 nem tinha televisão por aqui. Na época, ele acompanhou tudo pelo rádio, com meu avô e meus tios. Acho que a gente esperou demais pra ter ela mais uma vez no país. E falo que a copa vai ser uma das melhores dos últimos anos, porque o Brasil é terra de paraíso, todo mundo quer ver como é que é a nossa terra. Daí vem um sujeitinho e fala mal de nós assim! Esse cara tá é bobo, achando que a nossa copa vai ser fudida, sem organização nenhuma! A nossa vai ser a melhor...”


“Tomara.” – completa o outro – “O Brasil tem craque pra caramba, e se depender da gente só vai dar nóis. Porque até lá vão ter muito mais jogadores descobertos e, junto com os veteranos, vão dar a maior moral pra seleção. E vai ser tipo seleção da época do Pelé e do Garrincha, fazendo bonito com a bola e mostrando porque o país é a terra do futebol. A gringa toda vai ficar doida. Vamos até calar a boca desse cara da FIFA...”


Nos breves instantes de pausa, o mais retraído aproveita para falar: “Na verdade, acho que o secretário tem razão, porque ele falou foi de um fato. Realmente as datas e os prazos estipulados ao governo brasileiro já estão expirando, e as preparações para a copa ainda estão longe de ser concretizadas. Por isso, corremos um grande risco de fazer feio em 2014, e a responsabilidade disso tudo é totalmente política...”


Sobre o assunto, esforço-me para refletir de forma mais racional possível, enquanto confiro no relógio quanto tempo já faz que estou na fila. Penso que as críticas da FIFA ao próximo campeonato mundial estão relacionadas ao cumprimento de todas as exigências necessárias para que tudo ocorra dentro do planejado. Para que erros, em virtude da dimensão do evento, sejam dirimidos ao máximo. São críticas procedentes, porém, como tupiniquim que sou, não consigo deixar de inferir o que há de ocultas verdades por trás delas.


A geografia divide com um oceano o Brasil do Velho Mundo, e só por isso cinqüenta por cento da credibilidade são subtraídos dos país. Apesar de já termos uma cultura bastante consolidada, com uma arte e música cheias de peculiaridades, uma economia crescente e com perspectivas positivas para daqui poucos anos; apesar de sermos donos de cartões postais no mínimo deslumbrantes e, principalmente, apesar de termos mesmo o melhor futebol do mundo, o país está na América do Sul, o que justifica todas as desconfianças imagináveis e inimagináveis por parte deles. Reciclando um velho clichê, o Brasil ainda é visto lá fora como um país tropical e belo sim, mas tirando o que é bunda e bossa, pensam que o resto são florestas, bichos, frutas exóticas e enormes extensões de terra desabitada (ou não civilizada). Filmes estrangeiros, quando narram histórias de aventura em lugares inóspitos do planeta, sempre recorrem a cenários caracterizados em qualquer país sul-americano, relatando paisagens de matas intocadas, montanhas habitadas por povos primitivos, vales pantanosos e repletos de cobras e outras criaturas estranhas, colônias de garimpeiros ou refinadores de droga, rotas clandestinas de tráfico de armas etc. O pior é que os filmes não deixam de ter razão. Mas sabemos que não é só isso. O Brasil, hoje, caminha na direção em que algumas gerações passadas não imaginariam que fosse possível. Se não der para trás, em poucos anos seremos destaque para o resto do mundo e isso a história futura poderá registrar, desde que todos nós façamos por onde, da base proletariada aos escalões que dirigem o país. Não somos europeus e nem queremos ser. Somos brasileiros mas, antes, somos cidadãos do mundo e temos a obrigação de nos portarmos como tal, imaginando que todos os problemas sociais que possuímos são de responsabilidade do todo, devendo cada um contribuir da forma que puder. E acima de tudo devemos pensar como gente grande, como quem também tem o seu valor e faz parte dessa mesma aldeia global a que os outros pertencem. Acho que a “nossa” copa será um termômetro para medir o tamanho da nossa competência, mas principalmente para verificar se de fato estamos aptos para a ascensão que o mundo inteiro espera de nós.

*

Finalmente chega a minha vez no guichê e pago meus boletos. Saio da lotérica pensando se aqueles três rapazes têm a mesma opinião que eu. Se não, aquele momento teria sido oportuno para que eu desse minha parcela de contribuição (se é que estou pensando certo).

2 comentários:

Maria Maria disse...

Tudo tem uma primeira vez! Essa foi a minha aqui. Gostei dos textos. Agora, tira-me uma dúvida: assopra ou sopra? Ou você tem uma intencão ao evidenciar essa palavra?

Saudaçoes poéticas!

Ah, eu amo as Minas Gerais.

Maria Mariapeargal

Farley Rocha disse...

Maria,
"assoprar" é uma variação de "soprar". Então, ambas as palavras possuem o mesmo sentido. São sinônimas. Mas "assoprar" tem mais a ver com o jeito mineiro de falar.
Um abraço.