Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A escultura (CRÔNICA)


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Olhar uma escultura de perto é diferente de quando a vemos fotografada no papel ou no monitor. De perto a escultura nos desperta, através de seus traços e formas, a sensação de que se está olhando para um desenho tridimensional, como se uma gravura saltasse da superfície plana em que foi rabiscada. Rodin, assim como Oiticica e Aleijadinho, todos eles deviam ter esta mesma percepção quando forjavam moldes sobre a madeira, o bronze, a pedra ou qualquer outra material. Deviam interpretar com o tato a linguagem que somente a visão compreende, como a distinção de formas e dimensões.

Irresistível, ao contemplar uma escultura de perto, é não cobiçar a mesma habilidade que estes artistas detinham. Porém, aplicando-a por sobre uma outra matéria que não o metal ou madeira. Usando-a para modelar, por exemplo, o tempo.

Quem nunca quis reparar um erro do passado, ou esticar o tempo para aproveitar melhor as horas de folga (ou de trabalho), ou antecipar ocasiões importantes para se evitar a ansiedade, etc.? Manipulando o correr do tempo, momentos significativos poderiam ter dimensões infinitas, como o do primeiro beijo, o de um show imperdível, o de uma transa alucinante... Daríamos a eles a dimensão exata do tamanho de cada uma de nossas necessidades. E o tempo então seria nossa obra experimental.

Explorando um pouco mais a habilidade de esculpir, faríamos das pessoas com quem convivemos um outro tipo de matéria, não para transformá-las em esculturas intactas, mas modelá-las ao nosso modo. Gente rancorosa, mau-humorada, frustrada, faríamos desse pessoal uma trupe de sorrisos ambulantes pelas ruas, deixando-as mais simpáticas e felizes. Pessoas brutas, lapidaríamos sua compreensão de mundo e tornaríamos seu olhar sobre as coisas um pouco mais esclarecido. Àquelas que são sem graça, daríamos o feeling necessário para torná-las interessantes e agradáveis. Para outras com quem não combinamos muito, estas deixaríamos num cantinho refletindo sobre si (e sobre nós também) os motivos pelas desavenças. E as pessoas então seriam nossa obra de arte.

Melhor ainda seria se esta habilidade também pudesse ser aplicada à matéria da nossa própria vida. Nossos momentos de melancolia e tristeza seriam aparados com o polimento de nossas ferramentas juntamente com nossas piores qualidades e atitudes impensadas. Já os momentos de ternura e satisfação seriam alongados a suaves golpes de nossa talhadeira juntamente com nobres qualidades que muitas vezes desconhecemos em nós mesmos. E a vida então seria nossa obra prima.

No fim, penso que talvez o mundo seja uma grande escultura, criada pelo mesmo artista que esculpiu o universo. E seja lá quem for, talvez seu criador a tenha deixado de propósito inacabada, para que a cada instante seja polida e talhada pelos gestos de cada pessoa, pelo rumo que tomam cada vida, pelo tempo que sempre passa e se vai. Modelando tudo e todos.
*
E a todos nós nos permitindo a chance de modelar tudo. Conforme a habilidade que cada um de nós detém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Inquietação Estática


Dia pós dia,
não há teto,nem estrelas,
as luzes se apagaram,
não podemos fazer mais nada.
apagaram se as luzes dos cinemas,
um instante semi-estático.

Dia pós dia,
as luzes se acendem,
despedida das ilusões e ironias,
é quando o tédio encontra o apogeu da vida
e o casulo brota com asas, e canta!
(Paulo Erenio)