Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O vendedor de metáfora


Um jovem artista norte-americano anda fazendo experimentos que alguns críticos talvez chamem de vanguarda (outros, de modismo consumista). De qualquer modo, ele cria ficções sob medida, dentro das quais gente comum vive a aventura que quiser, interpretando personagens universais ou de si próprio.

Qualquer um, desde que com dólares suficientes nos bolsos, paga ao artista multimídia para que sua empresa, constituída por outros jovens tecnologicamente munidos, produza um filme contando qualquer história, a que seja mais compatível com as necessidades do cliente. Aquela que, fora do filme, não passaria do escopo de seus sonhos.

O artista agenda entrevistas com os interessados pelo seu serviço, e a partir delas extrai as referências mais relevantes para o roteiro inicial. Características psicológicas de cada cliente, seus devaneios incomuns, desejos reprimidos, grau de informação de mundo e quimeras várias geralmente são fundamentais para a construção do mote da história a ser contratada.

Depois, num processo de trabalho que dura períodos entre dois e seis meses (dependendo da complexidade), escreve a trama, seleciona o elenco, confecciona o figurino, providencia as locações, faz as filmagens, edita as tomadas e, no meio disso tudo, insere o próprio encomendador no trailer que ele mesmo imaginou.

Assim, (mesmo que por algumas unidades de minutos de um vídeo profissional) senhores de meia-idade entediados tornam-se o mafioso Don Corleone, ou o mesmo Marlon Brando, careca e enigmático, na forma de um monge iluminado no Vietnã; garotões podem zanzar azuis sobre árvores brilhantes de galhos 3D e voar nas costas de animais estranhos pelo céu dum planeta distante; esposas podem presentear maridos imitando o fogoso vendaval sob as pernas da Marilyn Monroe, ainda que sejam ruivas ou morenas.

Cá de longe, como um espectador matuto, suponho que a maior contribuição de Brock Enright, o “artista do impossível”, não resume a permitir sonhos e fantasias às pessoas reais. Mas sua grande sacada é captar e reproduzir comercialmente a metáfora mais apropriada para o nosso tempo: o mundo visto em cores através de retângulos de algumas polegadas, em que a realidade parece ser a parte menos interessante dessa era de ficção.
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