Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Cidade inconsciente

(baseado no poema “Passeio pela cidade imaginária”, do meu livro Mariposas ao Redor, no prelo)

A cidade hibernada na madrugada é um campo fértil de solidão para os seres errantes que rondam no escuro.

Nela fulguram cães famintos, gatos de rua, morcegos raivosos, baratas insones, e eu. Feito um hominídeo sem passado ou futuro, percorro longos trechos estalando passos por ruas sem civilização. Caminho sob árvores e marquises, desviando meu olhar do foco da luz que vem de cima, dos postes, e das que vem de baixo, dos spot’s nos jardins às margens. Portanto, sou alguém sem sombra.

No anonimato que a penumbra permite, cavo meu efêmero deslimbramento face ao que é inédito no dobrar de cada esquina. Mas além de mim e dos ratos fugitivos das tocas, não há ninguém. Não há ninguém mais que testemunhe uma ronda por vielas e becos flutuando no vazio, sob nuvens que nem mesmo podem ser vistas entre o breu do céu. Portanto, sou alguém a deriva.

A cidade, a essa altura, é como um cemitério desenhado no peitoril dos casarões da Vespúcio de Carvalho. Mas não receio. Porque assim como a cigarra sibilando em algum canto que não sei onde, ou como a aranha que trabalha a armadilha nas fendas que não vejo, faço-me pertecente a essa cena escura de tantos seres ocultos tanto quanto os organismos que dela repiram. Portanto, sou alguém sem forma.

Em lugar algum não se percebe ruídos nem movimento. Não há burburinhos sob as janelas velhas nem chiado de rádio vindo das portas trancadas. O besouro que de longe voa, deve ouvir somente o choque da própria carapaça na aterrisagem às avessas. Ruas anti-acústicas onde ecos não fariam sentido. Nem sonho nem pesadelo, a cidadela que vejo é um pequeno conglomerado de concreto e telhado, congelado no espaço. Um frio raio x de um lugar arquitetado por recursos só permitidos ao devaneio.

Portanto, sou alguém que não existe. Uma consciência desgarrada vagando entre cães e ratos fantasmas, por toda uma cidade abstrata submersa no escuro e no silêncio que a engolem todas as noites.

2 comentários:

byTONHO disse...



cARa!
aCHei Que eRaS ReaL...
PoR iSSo Não Te Vi MaiS?!

E aS MaRiPouSaM oNDe?

...

Ah!ah!ah!


CoMo VaiS?
oNDe aNDaS?

FiQuei a VeR NaVioS...

aBRaÇoS!

José Fernandes disse...

Ah... meu amigo Farley!!! Você me faz lembar muito de meus tempos de 17 aos 23 anos de idade. Eu nunca poderia imaginar, entretanto, que as lembranças daquelas épocas me viriam guarnecidas de tanta poesia, assim como vejo em suas palavras. Você é um grande poeta. Meu abraço.