Foram necessários milhões de anos terrestres, desde que a Terra nem tinha a forma do nome que tem, para que o desenho geográfico desta região fosse esboçado. De lá pra cá, passando pelas épocas de Pangeia, muitas outras eras se incubiram pelo acabamento original que aqui se pode ver hoje. (e que ainda está longe de sua versão definitiva).
Falando assim, este retrato poderia ser a imagem de qualquer lugar do planeta. Mas não. Descrevo um ponto específico do cosmo. Onde píncaros significam tanto quanto sua altitude. E onde o mundo parece ter se estagnado, mantendo boa parte de sua natureza em estado primitivo e, por isso, poeticamente deslumbrante.
A fotografia em questão revela as ondulações da Serra do Caparaó, cartograficamente esculpida no fundo do país.
Há notícias de que a serra tenha se originado a partir de erupções vulcânicas. E pelo movimento secular das placas tectônicas, o magma espremeu-se do fundo do solo e cristalizou-se em protuberâncias rochosas sobre a crosta. Assim, todas as cordilheiras que entrecruzam a região são o efeito dessa atividade sísmica.
E é no sopé das cordilheiras, pelo entorno do Caparaó, que espalham-se os vales como rastros da sedimentação geológica do passado. Por esses vales, entre riachos e lavouras, existem as vilas e vielas, as cidades e cidadelas.
Do selvagem ao urbano, viver por esse lados é o mesmo que pisar o chão de terra batida sentindo cheiro de asfalto a poucos quilômetros. Porque conduzindo o veículo, em minutos se pode sair da redoma de poucos prédios e entrar numa morosidade sem fim de cenários bucólicos, com currais e gados na pastagem, colinas com topetes de mata e cercas de arame farpado rente as estradas vicinais. Mas no topo de algumas ladeiras há sinal de celular; sinal de que por cá o mundo também se conecta.
Viver aqui é ver o perplexo paradoxo entre a tradição rural, com broa de forno a lenha e radinho de pilha na sala, e a modernidade importada dos grandes centros, com ipods, redes sociais e downloads. Tanto que os bailes de antigamente, os da juventude do meu pai, dão lugar às festas rave de agora (estas, os bailes da minha juventude); porém, entre os intervalos dos graves eletrônicos, dá pra ouvir o canto do galo soando quase como flashes psicodélicos no aproximar das cinco da manhã. Felizmente os galos ainda cantam, fazendo-me lembrar de onde realmente sou.
Nas vilas do campo transitam carros de boi puxando milho. Já nas cidades dos arredores (ou ainda cidadezinhas), carros importados viajam suas ruas rumo à BR-482 para encontrarem esquinas mais cosmopolitas. Idosos descansam a vida da roça jogando baralho nas pracinhas, mas sem tirarem os olhos dos skatistas emocore que descem as calçadas. Interrompem a jogatina e tentam encontrar algum sentido nessa coisa chamada globalização.
Às vezes, sinto-me confuso como os velhinhos da praça. Deslocado entre mundos de raízes e modismos, sigo-me para as montanhas, heranças dos vulcões de outros tempos e lugar onde geralmente me encontro. Lá do alto, procuro olhar ao redor o planeta que se perde por baixo das nuvens e tento enxergar o mundo distante das serras.
Mas no fim, sempre acabo percebendo que o mundo termina e também começa por aqui, no meio dessas montanhas do leste. A partir de mim. Independente de mim.
* * *
p.s.
Depois de longo período hibernado desde a última primavera, novamente retorno a este espaço errante que é o Palavra Leste. A partir de hoje até algum tempo indeterminado estarei postando com a regularidade de sempre, às quintas. Fui convidado pela revista Vitrine Minas para escrever crônicas sobre a região da Serra do Caparaó (mais ou menos como já é a proposta do meu blog). A RVm é da cidade de Muriaé, a 100km de Espera Feliz, e sua primeira edição foi lançada em dezembro, com circulação regional. A crônica daí de cima foi a publicação de estreia.
Falando assim, este retrato poderia ser a imagem de qualquer lugar do planeta. Mas não. Descrevo um ponto específico do cosmo. Onde píncaros significam tanto quanto sua altitude. E onde o mundo parece ter se estagnado, mantendo boa parte de sua natureza em estado primitivo e, por isso, poeticamente deslumbrante.
A fotografia em questão revela as ondulações da Serra do Caparaó, cartograficamente esculpida no fundo do país.
Há notícias de que a serra tenha se originado a partir de erupções vulcânicas. E pelo movimento secular das placas tectônicas, o magma espremeu-se do fundo do solo e cristalizou-se em protuberâncias rochosas sobre a crosta. Assim, todas as cordilheiras que entrecruzam a região são o efeito dessa atividade sísmica.
E é no sopé das cordilheiras, pelo entorno do Caparaó, que espalham-se os vales como rastros da sedimentação geológica do passado. Por esses vales, entre riachos e lavouras, existem as vilas e vielas, as cidades e cidadelas.
Do selvagem ao urbano, viver por esse lados é o mesmo que pisar o chão de terra batida sentindo cheiro de asfalto a poucos quilômetros. Porque conduzindo o veículo, em minutos se pode sair da redoma de poucos prédios e entrar numa morosidade sem fim de cenários bucólicos, com currais e gados na pastagem, colinas com topetes de mata e cercas de arame farpado rente as estradas vicinais. Mas no topo de algumas ladeiras há sinal de celular; sinal de que por cá o mundo também se conecta.
Viver aqui é ver o perplexo paradoxo entre a tradição rural, com broa de forno a lenha e radinho de pilha na sala, e a modernidade importada dos grandes centros, com ipods, redes sociais e downloads. Tanto que os bailes de antigamente, os da juventude do meu pai, dão lugar às festas rave de agora (estas, os bailes da minha juventude); porém, entre os intervalos dos graves eletrônicos, dá pra ouvir o canto do galo soando quase como flashes psicodélicos no aproximar das cinco da manhã. Felizmente os galos ainda cantam, fazendo-me lembrar de onde realmente sou.
Nas vilas do campo transitam carros de boi puxando milho. Já nas cidades dos arredores (ou ainda cidadezinhas), carros importados viajam suas ruas rumo à BR-482 para encontrarem esquinas mais cosmopolitas. Idosos descansam a vida da roça jogando baralho nas pracinhas, mas sem tirarem os olhos dos skatistas emocore que descem as calçadas. Interrompem a jogatina e tentam encontrar algum sentido nessa coisa chamada globalização.
Às vezes, sinto-me confuso como os velhinhos da praça. Deslocado entre mundos de raízes e modismos, sigo-me para as montanhas, heranças dos vulcões de outros tempos e lugar onde geralmente me encontro. Lá do alto, procuro olhar ao redor o planeta que se perde por baixo das nuvens e tento enxergar o mundo distante das serras.
Mas no fim, sempre acabo percebendo que o mundo termina e também começa por aqui, no meio dessas montanhas do leste. A partir de mim. Independente de mim.
* * *
p.s.
Depois de longo período hibernado desde a última primavera, novamente retorno a este espaço errante que é o Palavra Leste. A partir de hoje até algum tempo indeterminado estarei postando com a regularidade de sempre, às quintas. Fui convidado pela revista Vitrine Minas para escrever crônicas sobre a região da Serra do Caparaó (mais ou menos como já é a proposta do meu blog). A RVm é da cidade de Muriaé, a 100km de Espera Feliz, e sua primeira edição foi lançada em dezembro, com circulação regional. A crônica daí de cima foi a publicação de estreia.
4 comentários:
Adorei , muito bem escrita
Parabéns, Farley. Bom retorno. E sucesso na nova revista. O curso de Letras valeu a pena.
Beijão.
Rita Rios
Que legal, Farley...
Não sabia que você cultivava este belo habito da escrita.
Continue manipulando as palavras e quem sabe também se deixando manipular um pouquinho por elas!
Parabens pelo texto.. e pelo tema inspirado!
Abraços de uma quase prima
Alice
Existe alguma casa construída na Serra do Caparaó?
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