Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Fenômeno vermelho no meio da tarde

* * *

Pelas esquinas e entre os carros parados nos acostamentos as pessoas conduzem a rotina de suas vidas. Igualmente pelas calçadas, onde há gente trafegando, saindo ou entrando nos mercados, açougues, boutiques e restaurantes. A cidade, sob um céu azul intenso de inverno, movimenta-se aleatoriamente como é de seus costumes interioranos, sem que nada disperse a atenção. Exceto por um estranho fenômeno que acaba de ocorrer no mesmo céu.

Quem viu primeiro foi um garoto acompanhado pelos passos acelerados da mãe – “olha, mãe, porque as nuvens estão se mexendo tão rápido?”. Com a súbita paralisada da mulher diante do que vê, outros transeuntes olham para a mesma direção que ela e também se estagnam. Instantes depois toda a rua se torna uma imensa galeria de estátuas humanas, porém vivas e boquiabertas com o que presenciam.

Pelos lados das cordilheiras do norte, gigantes amontoados de nuvem vêm em velocidades extremas raspando o cume dos picos, como se estivessem se preparando para jorrar uma tempestade catastrófica sobre Espera Feliz, seguida de ribombantes furacões a engolirem todas as casas e quintais, colinas e qualquer ser mortal. Mas cá de baixo, de onde miram o estranho fenômeno, não se houve nem uma trovoada, sem uma pincelada de vento a não ser a brisa que vem das matas. Não cai nem mesmo um pingo do alto.

Por trás das camadas de nuvens, uma mancha em forma de luz escarlate vai tomando conta de todas as partes antes azuis. Como um espectro que se expande cada vez mais, a luz vai tonificando toda a terra que ilumina de uma cor avermelhada, como se uma veia imaginária dos deuses derramasse um hemorrágico banho fotoelétrico em tons psicodélicos sobre os apartamentos e avenidas, sobre o chão do asfalto e sobre as cabeças de que quem estivesse em baixo. Poucos que observam atônitos o fenômeno percebem que é o sol quem provoca todo aquele prisma celestial nesta tarde incomum.

A 150 milhões de quilômetros dali, no centro da galáxia, nossa maior estrela transmuta-se em espasmos de explosões com proporções colossais. Infinitas quantidades de átomos enfurecidos de hidrogênio em seu núcleo não suportam o peso da pressão sobre eles e se fundem, quase ao ponto de antimatéria, causando ininterruptas reações nucleares em toda a sua estrutura esférica. A cada segundo, as reações resultam na queima de 700 milhões de toneladas de hidrogênio, o que quimicamente faz liberar 386 bilhões de bilhões de megawatts de energia em forma de calor, radiações múltiplas e luz, muita luz como esta claridade vermelha visível no céu.

Por aqui na cidade, mal sabem que dali há alguns instantes todo o hidrogênio já terá se esgotado e o grande astro começará a queimar hélio, único combustível que lhe sobrará. Daí, a energia liberada será potencialmente maior e ele se transformará num gigantesco globo pulsante, variando a cada momento o seu diâmetro em milhões de quilômetros em direção as órbitas planetárias. E assim inchará até expandir-se como uma bola de borracha incandescente e tomará como um grão de poeira tudo que estiver em seu caminho, começando pelo planeta Mercúrio, em seguida Vênus e, por fim, a Terra...

O sol brilha na forma de um prenúncio avisando que a sua era está chegando ao fim e antes de começar a ficar em tom alaranjado, o que será presenciado daqui há exatos 8 minutos e 18 segundos, muitas das pessoas que assistem ao fenômeno entrarão em pânico, correndo pelas ruas como um bando de almas temendo conhecer o demônio cálido, sem entender o que de fato acontece lá em cima.

Nas proximidades da Praça Pedro de Oliveira, incomodada com a agitação lá fora, Dona Fia pede ao Seu Gerônimo para dar uma espiada na varanda, para ver o que há. Apoiando as mãos cansadas no portãozinho da frente, ele grita à mulher:

– Vem, Fia, vem cá fora vê. Vem vê o sol como é que ele tá bonito! – e sorri, serenamente.

Nenhum comentário: