Blog de Farley Rocha

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Café com Fábula, Álvares de Azevedo e Caninha Grillo

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– Vamos – respondo a Paulo, amigo de prosa e verso das noites undergrounds (ou nem tanto) desta província serrana.

Tento largar o que estou fazendo para seguirmos sem pressa para a rua, com um Álvares de Azevedo em baixo do braço. O livro não é para aparentarmos ser um par de junkie despenteados, mas para tê-lo como guia na noite que começa.

De vez em quando Paulo e eu conversamos sobre literatura, mas geralmente nossas pueris opiniões ficam explanadas somente sobre a mesa da cozinha de casa, flutuando entre porções de azeitona e copos de cerveja quente. É por isso que neste dia queremos sair e procurar outras tavernas para prosear na companhia de nosso poeta de papel e tinta.

Na Fioravante Padula atravessamos para a outra via da avenida e entramos no Café com Fábula. Na calçada uma garota faz pose para uma fotografia, frente à fachada antiga.

O estabelecimento é pequeno mas aconchegante. Fica entre um conjunto de casarões do início do século passado na parte velha da cidade e seu interior é recoberto por uma decoração equilibrada entre objetos e texturas rústicos e sofisticados. Há espaço suficiente para a disposição das três pequenas mesas que estão ao lado esquerdo e de mais duas de igual tamanho na parte direita do lugar. (Sentamos na segunda à esquerda). Cada uma delas é forrada por quatro capas de discos de vinil sob uma espessa placa de vidro. Na que estamos tem a sequência de Velvet, Simon e Garfinkel, A-Ha e Erasmo Carlos. O som que toca no ambiente é Joy Division. O balcão fica nos fundos, onde também há um pequeno display com produtos de tabacaria: charutos, sedas e fumo de alecrim para cachimbos. Em ambas as paredes há pequenos pôsteres aludindo a bandas, filmes e ícones (Foucault está ao lado de Homer Simpson). Acima das mesas tem pequenos nichos instalados, com livros ao alcance das mãos. Mas preferimos abrir a antologia do ultra-romântico Azevedo que trouxemos de casa. Pedimos dois capuccinos, que chegam em um minuto.

Trazendo nossas opiniões a público (mesmo que só sejam ouvidas pelo dono do Café com Fábula, paciente atrás do balcão) e após fazermos a leitura de algumas estrofes, Paulo traça algumas colocações as quais eu acrescento ou discordo com uma indagação ou com um outro verso que leio.

O objetivo deste nosso descompromissado debate literário é tentar (mesmo que em desvairadas viagens) fazer analogias das poesias de Álvares de Azevedo e o comportamento transgressor que se manifesta no sentimento rock das gerações pós-beatnik. Sua visão jovem sobre a vida e suas reflexões sobre o que para ele era incompreensível dentro de seu tempo nos fazem concluir, hipoteticamente, que a substância metafísica de seus versos poderia ser revestida por uma conotação à la The Doors, mas tendo como seu xamã imaginário não um índio apache norte-americano, e sim um guerreiro tupiniquim, como daqueles que José de Alencar soletrou, porém um pouco mais rebelde.

Enquanto as comparações vão chegando perto da boemia do poeta romântico e do Jim Morrison, percebo que minha xícara chega ao fim. Olho para o balconista e peço mais um capuccino levantando o indicador enquanto sussurro um medíocre por favor. “Com Pinga!”, acrescento. Quer dizer... Eu não disse isso! “Quem foi que disse isso?!”, pergunto pateticamente.

Neste exato instante pisco os olhos, vejo que é o Paulo me chamando para beber uma pinga no Butequim do Lolico. Lugar, aliás, para onde estávamos indo quando comecei a escrever sobre este café imaginário, que a partir de agora passa a existir por aqui somente na ficção do corpo desta crônica.
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Mas nem por isso deixarei de tomar a pinga, nem que seja só uma Caninha Grillo. E Álvares vem com a gente. Não pro café de fábula, mas pra “taverna” do Lolico.

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