Blog de Farley Rocha

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A palavra sem nome (CRÔNICA)

Pensar no que escrever. Olhar o papel, ver nele todas as idéias possíveis do mundo: imaginar a folha branca como um parque de diversões, com balões, risos, gente, tudo acontecendo, euforicamente. E, entre tantas cores e sons, a palavra oculta no meio. O vocábulo engasgado na ponta da caneta. A palavra que parece fazer sentido só no pensamento, mas sem qualquer forma ou nome certo. Na espera por ela que não vem decanta um silêncio entre a mão, o papel e o parque de diversões, agora em aspecto congelado. A folha não passa de um objeto nulo e pálido (o parque fica preso no plano das idéias).

Daí se levanta e vai ver TV. Ou abre um livro e analisa um poema do Chacal. A mente se desprende, mas não se esquece do retorno ao texto. A palavra existe, e o instinto sabe disso. É paciente e sóbrio. Os impulsos cerebrais passeiam e até a distração se torna importante. Qualquer ato ou gesto pode conter significado.

De volta ao impasse, as tentativas percorrem minutos. Tempo suficiente para, mais uma vez, se deixar o caderno de lado e ir tomar o chá. Repouso do corpo e cabeça galopante sob influência de um som tranqüilo. Os olhos fechados não têm pressa nem sono e conduzem por labirintos desconhecidos as idéias que flamejam em busca do termo cobiçado. E no escuro: a palavra de ouro é enfim encontrada. Volta-se ao papel e à caneta e além da palavra, jorram-se outras e com elas outras frases inteiras. O texto toma corpo e a música do parque, o carrossel, as cores e tudo o mais retomam novamente seus lugares no papel. E tudo se torna vida. O domingo da folha explode numa tarde em festa: as mães e seus filhos, os palhaços pintados, as brincadeiras. A emoção daquela alegria transborda páginas. Um texto de tantas coisas, pronto e iluminado.

Ou pelo menos quase isso!

Claustrofobicamente os olhos se abrem. A xícara do chá está vazia, logo ao lado. A audição capta o sussurro de uma pequena canção do Belle and Sebastian no aparelho ligado. A luz acesa clareando os olhos abertos enxergando a folha de papel toda em branco sobre a mesa. Nela não há palavras, nem idéias, nem texto e nem nada.
Pensar: pena não ser possível reduzir à palavra os sonhos tão perfeitos.

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