Seus olhos atentos olhando para o chão. Longe do ar incandescente dos postes, sentada sob um banco gelado de alvenaria frente a um bar-mercearia de portas fechadas. Mãos casadas em palma entre as coxas. Muda e distante a milhas do lugar onde ela mesma não estava. A rua sem ninguém, ou sem mais ninguém além. Cães, nem latidos. Janelas e portas escuras. TV’s apagadas e uma extinção de vozes percorria toda uma José Grillo desabitada de transeuntes no sopro da madrugada onde a moça dos olhos castanhos, usando jeans e maquiagem estava. Final de uma quarta-feira de um outono morno. Ou talvez já estivesse nos primeiros minutos de uma quinta tão comum como qualquer outro dia; pelo menos assim parecia, ao olhar parado daquela pessoa, jovem, com beleza delicada. Seu gesto inerte se assemelhava ao de quem apenas estava. E nada mais.
Assim denunciava seu rosto, que não continha mágoa. Lágrimas não havia. Sem sorriso ou um movimento parecido. Um rosto sem expressões. Só olhava para o chão escuro da calçada como quem fixa o olhar numa mancha qualquer ou numa rachadura do cimento áspero. Não havia mais ninguém ao seu redor, nem sinais de que houvesse a instantes atrás. Estava paralisada de uma forma que parecia estar ali há horas, imóvel. Sua companhia naquele momento eram somente seus pensamentos que talvez estivessem planando em outros lugares, conduzindo-a a uma introspecção quase que budista. Talvez pensava em alguém. Ou não pensava em ninguém, mas apenas esperava por uma pessoa que a fazia estar ali daquele jeito. Imaginei que em sua cabeça pudesse estar passando cenas de um filme à la cinema coisa e tal, com suas lembranças remontadas em fotografias antigas. Ou não era nada disso. Talvez naquela mesma noite alguém tenha sugerido um último beijo, com um último abraço. Mas seu rosto opaco pela pouca luminosidade não demonstrava nem um arfar de solidão ou falta de alegria. Transmitia apenas um leve ar de esfinge.
Enquanto eu caminhava do outro lado da rua, inconscientemente caminhava também em direção aos seus devaneios. Qual seria seu nome, seu endereço ou sua família? Os amigos que não estavam ali para ampará-la daquele instante de meditação surreal pareciam não fazer parte do seu cotidiano. Ou faziam mas ela preferia ficar só. Com ela mesma apenas (e com seus pensamentos, tristes ou não).
Não dava atenção aos ruídos dos meus sapatos sobre a areia estridente do asfalto. Seus olhos não se moveram nem para verificar quem estava passando. Ela mesma parecia não se interessar pelo resto do mundo ou para ninguém que flanava por aqueles lados. Os pensamentos aos quais estivesse emaranhada, talvez a fizesse relembrar coisas de um passado jovem que ainda era muito presente. Ou a fizesse remexer sua caixa imaginária a procura de um momento bom, que pudesse trazê-la uma paz cor-de-rosa para confortar sua noite e acolchoar seu sono quando ela fosse para casa.
Mas ela não ia. Ela ficava.
E do mesmo modo em que a vi quando virava a esquina, ela permanecia enquanto eu cruzava a nossa mesma linha de direção em calçadas opostas: intacta. Algo prendia sua atenção como se estivesse envolta numa bolha abstrata. Talvez significasse mesmo uma espera, ou uma partida, ou um momento saudoso por alguém ou alguma coisa agradável. Mas para estar ali àquela hora da semana, seu coração caracterizava-se em um hermético enigma, mesmo não estampando no semblante nenhuma imagem de satisfação ou saudade. Ela poderia então estar esperando pelo resto das horas para encontrar um furo de luz dentro daquela noite trazendo-lhe uma compreensão aparentemente, até o momento, tão emblemática.
Desviei meu olhar sobre a atenção minuciosa e perdida de seus olhos que não me enxergavam e nem a nada mais. Segui meus passos madrugada a dentro pela rua que se estendia até o final da cidade. Antes de dobrar o quarteirão, ousei mais uma última espiada.
A moça dos olhos castanhos, usando jeans e maquiagem ainda estava lá, parada.
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